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Jonathan Campos/Gazeta do Povo
Jonathan Campos/Gazeta do Povo| Foto:

Alguns meses atrás, gente bastante esperta se perguntava quais polos dominariam as conversas sobre eleições presidenciais. Boa parte errou. Até o momento, falamos pouco sobre Michel Temer. Mesmo a rusga entre petistas e antipetistas, tema dominante em 2014, não tem arranhado a relevância de Jair Bolsonaro. O fim de semana anterior ao primeiro turno ficou entre #EleSim e #EleNão. Pela primeira vez na Nova República, esse tal “ele” não foi Lula.

Essa polarização beneficia Bolsonaro no primeiro turno, por impedir que seu nome saia dos holofotes, mas o prejudica no segundo, gerando rejeição e permitindo que o PT fuja de assuntos incômodos. A dinâmica do próximo mês tende a ser essa: o capitão tentará acirrar ânimos em torno do PT, enquanto o Haddad muda de assunto falando mal de Bolsonaro.

Não é como se Lula estivesse esquecido pelos manifestantes. O nome do ex-presidente foi mencionado à exaustão no sábado e domingo. A diferença é que, ao petismo e seus satélites, interessa esquecer que muito se falou em “Lula Livre” no dia do “Ele Não”. Na ausência do PT como protagonista, com a presença de Marina e tucanos, a causa anti-bolsonarista ganhou diversidade e força.

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Quem gritou contra Bolsonaro favorecia Haddad na dinâmica eleitoral, mas interessava ao protesto ser apenas contra o candidato do PSL, sem mencionar qualquer outro nome. No sábado (29), os gritos foram essencialmente por democracia e respeito a minorias, o tipo de pauta agregadora que o PT, cada vez mais sectário, não conseguia mobilizar a seu favor há tempos. Apesar da rápida resposta dos bolsonaristas, o domingo foi de ruas cheias para defender um candidato, no lugar dos valores abstratos que predominaram como pauta no dia anterior.

Em resumo, considero que a última semana das eleições começou com estrondosa vitória do PT na estratégia que deve seguir até o fim de outubro: falar sobre Jair Bolsonaro, lembrar insistentemente os defeitos de Jair Bolsonaro, dia e noite, para que no meio de tanto barulho não dê tempo pra falar do PT.

Contra Mourão e Bolsonaro pesam diversas declarações autoritárias à imprensa, como a defesa de autogolpe e cantos de liberdade como “numa democracia, a minoria tem que se curvar à maioria”. Muitos já foram aos jornais alertar sobre esses trechos de entrevista, que revelariam os riscos de um eventual governo deles. Eu fui um dos que escreveu isso e o jornal em questão foi esta mesma Gazeta do Povo.

Tudo muito justo até aí, quando falamos apenas de Bolsonaro, e a pertinência dessas críticas dá força à estratégia do PT, que só funciona se a gente esquecer como o petismo tem se portado nos últimos anos.

Bolsonaro não é exatamente Thomas Jefferson, mas o que dizer do seu maior adversário?

Fernando Haddad declara abertamente a ideia de uma nova Constituinte, inviável politicamente (o auto-golpe de Mourão também, por sinal), mas reveladora do clima de vingança reinante no Partido dos Trabalhadores. No debate da Record, este impulso autoritário foi denunciado até mesmo por Ciro Gomes, um aliado do PT nas últimas duas décadas que deve apoiar Haddad no segundo turno.

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Haddad acha que o sistema de freios e contrapesos anda “desequilibrado” (palavra dele), o que teria sido revelado pelas derrotas políticas de seu partido. Mesmo sem Constituinte, prevaleceria em seu eventual governo a postura de corrigir instituições para que não prejudiquem seus interesses.

Haddad tem propostas para “corrigir” imprensa, Legislativo e Judiciário. No último Congresso Nacional do PT, o partido recusou qualquer autocrítica pela crise recente, preferindo propostas de aparelhamento do STF, Forças Armadas e imprensa.

Muita gente moderada à esquerda lembra que os petistas sempre foram mais radicais nos programas do que no governo. É verdade, pois existiam freios e contrapesos, como os que Haddad quer “reequilibrar”. Obviamente, a política interna do PT é mais petista do que o Congresso Nacional.

Fico curioso ao ver que o argumento não se estende a Jair Bolsonaro. Se o PT escreveu tudo aquilo por brincadeira, e cada letra será irrelevante num governo Haddad, por que devemos tomar a ferro e fogo o que Mourão diz em entrevistas? Declarações à imprensa, afinal, são muito mais fluidas e menos importantes do que documentos oficiais de um partido.

E não é como se o PT tivesse permanecido quieto durante o seu governo. O partido inundava blogueiros amigos com dinheiro público, para influenciar a imprensa. Sempre tratou o Congresso como inimigo a ser corrigido, criando esquemas de corrupção colossais para evitar diálogos com parlamentares.

Algumas indicações ao STF foram republicanas, é verdade, mas outras certamente não foram, Toffoli que o diga. Quando ocupava a presidência, o poder do PT era limitado, mas com frequência driblava obstáculos para implantar uma agenda centralizadora.

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Há quem cante o apocalipse possível num governo Bolsonaro. Muita gente não cai no papo porque já viveu o apocalipse no último governo petista: maior recessão da história, instituições em frangalhos e um esquema de corrupção que enrubesceria qualquer Antônio Carlos Magalhães. Tem como fazer pior? Com certeza, mas é bem difícil.

Por fim, cabe lembrar o clima que reina no PT hoje. As principais lideranças do partido têm utilizado o slogan “Haddad no governo, Lula no poder”, uma adaptação do peronismo. Lindbergh Farias chegou a dizer que Lula indicaria os ministros num novo governo. Haddad é desrespeitado pelo próprio partido e, por isso, já começaria seu mandato com a obrigação de reverter a condenação do seu proprietário.

Ou Haddad está mentindo sobre o modo como vê a prisão de Lula, ou vai partir para cima de Judiciário, imprensa e Legislativo. Ele não tem grande apoio nas Forças Armadas, como Bolsonaro, mas seu partido ficaria muito feliz em aparelhar a instituição aos poucos, como fez Hugo Chávez na Venezuela. Ele disse acreditar em soberania popular ao ser criticado no debate da Record, mas usou a mesma soberania popular para legitimar Nicolás Maduro em entrevista à Globo News.

Os protestos levaram à rua uma série de bons argumentos e preocupações que subscrevo. Sei que havia gente séria, bem intencionada, inteligente e democrata nas ruas, mas o destaque do fim de semana, para mim, esteve numa ausência. O PT e seu autoritarismo latente foram pouco comentados nas manifestações que se diziam contra o autoritarismo.

Há várias ameaças em curso à democracia brasileira e interessa aos comandantes de cada uma das ofensivas fingir que apenas o adversário joga no time dos liberticidas. Infelizmente, ‘Ele’ não é a única ameaça a um Brasil livre.

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