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Pedro Menezes

Pedro Menezes

Preços livres

O princípio hayekiano que Paulo Guedes e Arthur do Val ignoram

O ministro da Economia, Paulo Guedes
O ministro da Economia, Paulo Guedes, acha que cobrar uma alíquota única não é importante. (Foto: José Cruz/Agência Brasil)

Qual o melhor uso para um punhado de trigo, ovos e 8 horas diárias do trabalho de um padeiro? Esses insumos servem à produção de pães, é claro, mas qual será a forma do produto?

Essa pergunta relevante é para o empresário que comprou os ingredientes e paga o salário do funcionário, pois o lucro dele depende da resposta. É relevante também para a sociedade, na medida em que o uso produtivo dos fatores de produção define, em última análise, a riqueza das nações.

O austríaco Friedrich August Hayek ganhou um Nobel discutindo esse assunta e via esta como a questão fundamental da ciência econômica. Na sua visão, uma análise trivial sobre o uso socialmente eficiente dos recursos de uma padaria poderia elucidar a impossibilidade do socialismo e a natureza última dos preços.

Os preços, na descrição hayekiana, são um meio de informação sobre o que a sociedade quer que a padaria produza a partir dos seus ingredientes e funcionários. Os consumidores valorizam diferentes tipos de pães e usam os preços para informar o empresário sobre o assunto. O bom gestor é aquele que, ao interpretar os sinais emitidos através dos preços, os interpreta e garante que a oferta da empresa converse com a demanda da sua clientela.

A diferença entre produzir pão francês e farinha de rosca (pão dormido triturado) é mínima em termos de recursos consumidos no processo de produção. Os preços funcionam como sinais que informam a padaria sobre o melhor uso dos seus recursos. Assim, o gestor pode decidir se é mais adequado vender o pãozinho inteiro ou sob a forma de farinha. E o melhor: a decisão dele está alinhada com as preferências da sociedade, expressas através dos preços, que são meios de informação.

Os recursos escassos de uma nação são melhor administrados quando preços livres permitem que os empresários apreendam os desejos dos seus clientes. Daí se deriva a impossibilidade prática do socialismo puro: sem propriedade privada, não há preços, gerando um desalinhamento entre os meios de produção e as preferências dos consumidores.

Por isso, experiências socialistas ao redor do planeta nunca conseguiram abolir inteiramente a propriedade privada. Algum sistema de preços sempre existe. Mesmo nesses casos, a descoordenação entre oferta e demanda fica evidente em famosos problemas de abastecimento. Quando um brasileiro se dirige à padaria, ele presume que lá tem pão. Trata-se de um privilégio capitalista, desconhecido por muitos cubanos e soviéticos, acostumados a enfrentar filas sem saber no que vai dar.

O Brasil não é socialista, mas passa longe de ter um sistema de preços livres. No exemplo do dilema entre pão francês e farinha de rosca, o empresário brasileiro não poderia se concentrar apenas na interpretação do que sua clientela quer. Ele precisaria observar também as alíquotas do PIS/Cofins. Pão tem isenção, mas farinha de rosca – pão dormido triturado – paga PIS/Cofins.

O assunto foi discutido longamente até que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) chegou a esta conclusão. Quando tratamos produtos iguais como diferentes, o direito assume um espaço que deveria ser da administração de empresas.

Não faltam exemplos do tipo no sistema tributário brasileiro. Produzir estruturas pré-moldadas para a construção civil paga impostos que incidem na indústria e podem chegar ao dobro do que é cobrado de quem constrói a partir do canteiro de obras. Como resultado, uma estrutura de produção pode ser adotada a despeito de ser menos produtiva.

O Brasil é pródigo em distorcer os preços com impostos. Por isso, estamos em 186º de 190 países no ranking tributário do Banco Mundial, e em 100º de 100 países no Índice de Complexidade Tributária.

Esta ideia hayekiana sobre a natureza dos preços livres influenciou pesadamente o princípio da neutralidade tributária, segundo o qual os impostos devem evitar ao máximo qualquer interferência nas decisões do empreendedor. A oferta precisa olhar para a demanda. Quando estudar a lei tributária é mais lucrativo do que analisar a clientela, toda a sociedade fica mais pobre.

Várias características são esperadas de um bom sistema de impostos. Estou convencido que nenhuma delas é pior que a não-neutralidade brasileira. Pagar impostos de tamanho dinamarquês pode ser ruim, mas viver sob a legislação tributária brasileira é muito pior.

Em resposta a este problema, a proposta de reforma tributária em tramitação na Câmara – PEC 45, formulada pelo economista Bernard Appy, liderada politicamente por Rodrigo Maia e Baleia Rossi – tem como principal objetivo a transformação do sistema tributário brasileiro num dos mais neutros do mundo.

A PEC 45 consiste na união de todos os impostos que hoje incidem sobre bens e serviços. PIS, Cofins, ICMS, ISS e IPI se fundiriam no novo IBS, imposto que teria um detalhe revolucionário: a mesma alíquota para todos os impostos. Pãozinho e farinha de rosca pagam o mesmo. A fábrica de estrutura pré-moldada paga o mesmo que o canteiro de obras.

Apesar do potencial revolucionário que a neutralidade teria no Brasil, seus inimigos não são aqueles que costumam se opor a qualquer regra de bom funcionamento do mercado.

Nos últimos meses, o governador de São Paulo, João Doria, e o seu secretário da Fazenda Henrique Meirelles assinaram o Incentivauto, programa que garante subsídios fiscais ao setor automobilístico. Ao invés de deixar que a produção de carros seja definida pelo quanto o mercado a valoriza, o programa distorce incentivos para privilegiar grandes montadoras.

O mesmo pode ser dito de Arthur "Mamãe Falei" do Val, que recentemente propôs descontos no ICMS para carros comprados por motoristas de aplicativos. Em sua visão, esta é “uma forma liberal de incentivar o emprego e valorizar os aplicativos”. Discordo: é uma forma intervencionista de enfraquecer ainda mais a neutralidade dos nossos impostos. Como trabalhadores de aplicativos não tem uma jornada mínima de trabalho, a fraude se torna interessante. Se a fiscalização for boa, pior ainda: dirigir um Uber de vez em quando pode valer a pena como meio para economizar no ICMS. Pura distorção dos incentivos de mercado, o que pode ser economicamente mais custoso do que alíquotas altas.

Até Paulo Guedes faz o mesmo no debate da reforma tributária – além de não enxergar a alíquota única como importante, Guedes chegou até a elogiar a guerra de descontos do ICMS que quebra estados e causa distorções de grande escala no setor produtivo.

Nossos liberais, em grande parte, preferem descontos esporádicos em setores selecionados, em detrimento da neutralidade. Defender menores impostos é legítimo, mas é melhor diminuir um pouquinho da alíquota de todos os produtos do que diminuir muito a alíquota de um setor escolhido pelo Estado como vencedor. Poucas mudanças são tão urgentes no debate econômico brasileiro. Tratar iguais como iguais pode até não ser o melhor para quem pensa no lucro político imediato, mas é o único caminho para quem quer que o Brasil dê certo. Enquanto a legislação for mais importante do que o cliente, comprar um legislador vale mais a pena do que agradar ao consumidor. Nesse país tão talentoso na criação de benesses tributárias, precisamos falar mais sério sobre neutralidade. Hayek agradece, a despeito de muitos dos nossos liberais.

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