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Jornalista econômico Ribamar Oliveira morreu nesta terça-feira (1º), vítima da Covid-19.
Jornalista econômico Ribamar Oliveira morreu nesta terça-feira (1º), vítima da Covid-19.| Foto: Reprodução/Twitter

Seja aqui ou noutros espaços, critico frequentemente as editorias econômicas da grande imprensa brasileira. Mas Ribamar Oliveira sempre foi uma exceção da regra. Basta ler como menciono. seu nome numa coluna recente, publicada em abril deste ano, sobre o Orçamento de 2021. Lá, me refiro ao “grande jornalista Ribamar Oliveira, referência maior na cobertura das contas públicas”. O elogio era desnecessário para o argumento central da coluna, mas fiz questão de escrever algumas palavras a mais para destacar o bom trabalho de quem tanto admiro.

Afinal, as colunas de Ribamar praticam o oposto do que costumo criticar na cobertura da economia brasileira. Muitos. Maus jornalistas costumam simplificar conceitos complexos em busca de cliques e enquadramentos ideológicos. Outros abordam polêmicas irrelevantes como assuntos de primeira importância. Em geral, fazem isto sem intenção, porque subestimam a inteligência do leitor. Os maus jornalistas acreditam que o público é incapaz de entender explicações complicadas sobre economia ou simplesmente não se interessa por abstrações.

As colunas de Ribamar, por sua vez, não temiam assuntos complicados, deduzindo que leitores inteligentes seriam capazes de tirar suas próprias conclusões. É o caso, por exemplo, da coluna “O ano com 13 meses”, publicada em janeiro de 2014. Nela, Ribamar aponta práticas estranhas e métodos obscuras nos dados fiscais de 2013, que tinham acabado de sair. No texto, o jornalista faz contas e explica conceitos orçamentários que outros tratariam como chatos ou complexos demais para o leitor.

É bem possível que seu filho leia sobre a coluna “O ano com 13 meses” nas aulas de história. Afinal, foi a primeira vez que algum jornalista publicou sobre as pedaladas fiscais do governo Dilma. Além de revelar as práticas, o texto é histórico porque apresenta, pela primeira vez, o apelido das “pedaladas”.

Não foi um caso isolado. Por muitos anos, Ribamar analisou minuciosamente projetos de lei e dados públicos em primeira mão, consultando especialistas para esclarecer cada detalhe. Mansueto Almeida relata que algumas reuniões do Tesouro Nacional sob sua gestão incluíam sempre uma conversa sobre a opinião de Ribamar Oliveira. Afinal, após cada publicação do Tesouro, Ribamar aparecia farejando inconsistências e pedindo explicações.

Da forma como Mansueto coloca, parece que Ribamar era o chefe do Tesouro, responsável por revisar e garantir a qualidade do que o órgão publica. E é mais ou menos por aí: Ribamar não era o chefe, mas escrevia para o público – que é, de fato, a quem o Tesouro Nacional (e todos os órgãos de Estado) deve servir.

Mesmo após ajudar a fundar o Valor e revelar as pedaladas fiscais, Ribamar não se deu por satisfeito. Depois do impeachment, ele também chamou a atenção para o descumprimento da regra de ouro, ainda no governo Temer. Quando mencionei seu nome em coluna no início do ano, me referia ao polêmico orçamento de 2021. No governo Bolsonaro, novamente, Ribamar foi o primeiro a publicar sobre o festival de emendas parlamentares que transformaram o orçamento em “peça de ficção” – a expressão usada por elle virou regra em todos os comentários sobre o caso.

As colunas de Ribamar sobre o Orçamento 2021 causaram muita turbulência em Brasília. Foi o último ato daquele que, em minha opinião, foi o principal jornalista econômico do país neste século.

Uma profunda tristeza me invadiu quando soube, nesta terça, que Ribamar se tornou mais uma vítima da Covid-19. Lamento principalmente que a comoção pela sua morte se restrinja a círculos de colegas jornalistas e leitores economistas. Uma injustiça. Ribamar deu grandes contribuições ao país e merece o reconhecimento por um púbico mais amplo.

É por isto, afinal, que a coluna de hoje presta uma homenagem à carreira de Ribamar Oliveira, repletas de contribuições ao interesse público. Que suas colunas se transformem em exemplo não só para jornalistas, mas para todos os cidadãos. Escrevendo informações, Ribamar Oliveira mudou a história do país e incomodou diversos governos que deveriam ser incomodados.

Ainda mais relevante, Ribamar fez isso sem qualquer das práticas “caça-cliques” cada vez mais comuns em sua profissão. Não era um sujeito famoso, mas tinha o respeito unânime em seu meio. Imediatamente após a morte de Ribamar, choveram notas oficiais lamentando o ocorrido. Provavelmente não era o seu jornalista favorito, mas acredite: era o jornalista favorito do seu economista favorito.

Nesses tempos de desinformação, é fundamental lembrar dos princípios que nortearam o bom jornalismo de Ribamar Oliveira. O povo brasileiro perdeu o cão de guarda das contas públicas, grande especialista em farejar lorotas oficiais. Infelizmente, é ingênuo esperar que os números da economia brasileira passem a ser tratados, da noite pro dia, com transparência e seriedade. Nos resta torcer para que as próximas gerações de jornalistas e economistas se inspirem no exemplo de Ribamar Oliveira, reportando ao público cada inconsistência publicada por governantes.

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