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Tomaz Silva/Agência Brasil
Tomaz Silva/Agência Brasil| Foto:

Ivan Lessa se mudou para Londres em 1978 e nunca voltou ao Brasil, nem para visitar. Foi “o maior escritor brasileiro”, segundo Diogo Mainardi, que faz a ressalva: “o Brasil é tão desgraçado que nosso maior escritor nunca se interessou em escrever um livro”.

Em “A difícil arte de não escrever”, crônica publicada na revista Status, Lessa descreve sua infância no tempo do ditador Obdulio Vargas e o estranho hábito nacional de acariciar testículos de garçons. Em meio a ilustrações semi-reais sobre um Brasil repetitivo, ele justifica sua decisão de não escrever. Ao leitor que perguntasse como é que o artigo pode ser escrito por quem não escreve, Lessa responde:

“A resposta, gentil leitor esclarecido, é simples: primeiro, você, como todos que o cercam, é um idiota; segundo, só estou batendo estas linhas porque me ofereceram uma fortuna em dólares e não em conchas, tatuís, goiabas, marajós, guararapes, canudos ou seja lá qual for a piada que, no momento, por aí, passa por ‘moeda corrente’; terceiro, apesar de nunca ter visto um exemplar da esplêndida revista Status, tenho a certeza de que estou sendo publicado ao lado de mulher pelada, artigo sobre aparelho de som e receita de bebida a ser servida em copo longo e com guarda-chuvinha de papel roxo. Só topo nessas condições.”

Ivan Lessa é membro (frequentemente esquecido) de uma grande tradição da crônica nacional. A mesma de Paulo Francis e Millôr Fernandes, seus colegas no Pasquim. A mesma de Diogo Mainardi, que tomou Lessa como mentor desde muito jovem. Ruy Goiaba, Alexandre Soares Silva e Gustavo Nogy são bons representantes da nova geração. Há mais. São cronistas bem versados na arte de criticar o Brasil com bom humor, sem o entediante pedágio à esquerda que se paga noutros círculos da cultura nacional.

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Remeto a Lessa neste fim de fevereiro de 2019 pela falta que ele faz em nosso tempo. Era um mestre na crítica ao país que repete sempre os mesmos erros, e assim nunca alcança a ambição de tornar-se sério. “A cada 15 anos, o Brasil se esquece do que aconteceu nos 15 anos anteriores”, segundo uma das mais famosas frases de Ivan Lessa. Em “A difícil arte de não escrever”, crônica citada acima, Lessa finaliza se referindo ao Brasil pelo seu apelido favorito: “ô Bananão chato!”.

Do nascimento nos anos 1930 à ida para Londres em 1978, Ivan Lessa fez parte de uma geração que não sabia o que era viver sob estabilidade econômica. Inevitavelmente, fazia piada sobre o país que não tinha moeda séria. Hoje, a maioria dos economistas reconhece a importância do descontrole fiscal para a bagunça que foi o Brasil do século 20. E Ivan Lessa fazia piada: “três dentre quatro políticos não sabem que país é este; o quarto acha que é a Suíça”.

O debate que se seguiu à apresentação da reforma previdenciária foi um bom exemplo sobre o Brasil das piadas de Ivan Lessa, sempre repetitivo nos erros, buscando a tragédia com afinco.

As mesmas corporações de sempre voltaram com os mesmos números furados de sempre para, como sempre, manter privilégios junto ao Tesouro Nacional. Trata-se da mesma elite servidora que, já nos tempos de Ivan Lessa, faz lobby pelo próprio bolso, em detrimento da instabilidade econômica nacional.

No centro da mais recente estratégia está a gritaria contra suposto “confisco” promovido pela reforma. As alíquotas maiores para funcionários públicos de alta renda levaram sindicalistas ligados a partidos de esquerda a soar como libertários rothbardianos. Em nome do próprio bolso, gritaram: “Imposto é roubo!”.

O confisco, segundo dizem, está numa tributação que chegaria a 50% do salário, segundo os próprios servidores. A imprensa endossa: “esses tributos podem se aproximar da metade dos salários dos servidores com alta remuneração”, segundo reportagem da Folha. Felizmente, se trata de um exagero meio mentiroso.

Foi igualzinho no debate sobre a previdência de Temer. Novamente, já há deputados endossando esse discurso. Novamente, Celso Rocha de Barros e uns 2 ou 3 intelectuais estão tratando a reforma com seriedade, enquanto as bancadas de PT, PDT e PSOL PSOL – enfim, a parcela da esquerda que tem voto no Congresso – repetem o mesmo igualitarismo modorrento para evitar debates propositivos sobre o texto.

A conta dos servidores para chegar ao número de 50% trata da soma entre a nova alíquota máxima da contribuição previdenciária (22%) e a do Imposto de Renda (27,5%). A soma dá 49,5%, o que é quase 50%.

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Mas, bem sabe qualquer economista, estas são as alíquotas máximas, cuja soma não implica que metade do salário do servidor será taxado. A alíquota efetiva é a porcentagem do salário que o trabalhador paga como contribuição previdenciária. Outra coisa é a alíquota marginal, aquela que pega apenas uma parte dos salários dos servidores mais altos.

A alíquota efetiva é uma média ponderada das alíquotas que incidem sobre o salário do servidor. 22% é o maior valor que pode incidir sobre o salário, portanto a média ponderada será menor que 22% para todos os servidores. O leitor de exatas deve reparar que a alíquota efetiva será sempre menor que 22% mesmo se o salário do servidor tender ao infinito.

Todo servidor com salário até R$ 10 mil terá alíquota efetiva menor que 13%. No caso de um servidor próximo do teto salarial, que ganha R$ 30 mil por mês, a alíquota efetiva é de 16,11% – menor que a alíquota marginal máxima paga pelo servidor, que seria igual a 19%.

O mesmíssimo raciocínio vale para o Imposto de Renda: 27,5% é a alíquota máxima, necessariamente maior que a alíquota média. A conta dos 50%, portanto, é mero ilusionismo matemático.

“Mas pagar 35% já é muita coisa”, pode responder um leitor. Concordo. Eu, liberal, defendo um Estado que pese pouco para o indivíduo. Mas primeiro é preciso cortar gastos. Sem isso, as baixas alíquotas vão desequilibrar o Estado.

E aí é que está o xis da questão: os servidores pagam muito porque, efetivamente, são beneficiários de um verdadeiro confisco que empobrece o brasileiro comum: como bem lembrou Pedro Nery noutra coluna desta Gazeta, o contribuinte paga mais de 80% das aposentadorias e pensões do serviço público. Menos de 20% sai do bolso dos beneficiários. Confisco é isso. E a reforma é a solução para esse confisco.

O que importa está no lado dos gastos. Há décadas, os servidores ganham mais do que contribuíram. É por isso que eles pagam muito: porque recebem muito.

Sindicatos de servidores já comunicaram à imprensa que vão recorrer judicialmente, caso o texto seja aprovado. A tese do confisco tem precedente no STF. Com a mesma justificativa, o Supremo proibiu um aumento de alíquota no governo FHC.

Os ministros do STF vão julgar a lorota defendida pelos sindicatos – uma lorota que enriquece os próprios ministros. Ivan Lessa estava certo: ô Bananão chato!

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