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Dalton Trevisan: cortês e simpático, mas ainda assim um homem aquém da sua obra.
Dalton Trevisan: cortês e simpático, mas ainda assim um homem aquém da sua obra.| Foto: Ilustração de Oswalter Urbinati

Sinto que estou cometendo um pecado mortal. Porque, neste texto, vou trair a discrição quase patológica de Dalton Trevisan e contar o que se passava nos cafés que tive o duvidoso privilégio de compartilhar com ele. Não que tivesse acontecido algo grandioso. Não que ele tivesse feito alguma revelação bombástica. Mas vou contar mesmo assim.

Meu primeiro contato com a obra de Dalton Trevisan foi aos 17 anos. Peguei O Vampiro de Curitiba na biblioteca do colégio e comecei a ler. Não entendi nada do primeiro parágrafo, nem do segundo, nem do terceiro. Faltava alguma coisa àquelas frases. Deixei de lado. Meses mais tarde, peguei o livro para ler de novo e, dessa vez, algo se iluminou. E tudo fez um sentido danado.

Pelos dois ou três anos seguintes, consumi tudo o que havia de Dalton Trevisan na Biblioteca Pública do Paraná. E comecei a imitar o estilo dele – o que me rendeu uma bronca de Cristóvão Tezza, na época meu professor na faculdade de jornalismo. Afinal, quem eu pensava que era para usar elipses em textos noticiosos? Humpf.

Eu andava pelas ruas procurando Dalton Trevisan. E estranhamente o via em cada velhinho que se parecesse mais ou menos com a referência de que dispunha na época: uma fotografia já meio antiga, tirada sorrateiramente por um fotógrafo atrevido e publicada na Veja. (Atitude que, por sinal, naquele prédio decadente da UFPR, rendeu várias aulas tediosas sobre imprensa e direito à privacidade).

O tempo passou. Foram só dois ou três anos, mas pareceram décadas. E nada de eu conhecer Dalton Trevisan. Tentei que vários nomes da cultura curitibana intermediassem uma conversa. Mas os que tinham acesso ao vampiro (juro que tentei escrever este texto sem usar a palavra “vampiro”, mas não deu) não compartilhavam esse privilégio com ninguém de fora do clubinho.

Até que comecei a escrever profissionalmente e, ao melhor estilo enfant terrible, passei a provocar artistas locais e a criticar todo o ufanismo que cercava aquela Curitiba do fim do século XX. Para minha surpresa, do outro lado da folha de jornal estava ninguém menos do que Dalton Trevisan.

Que, um dia, do nada, me ligou. Ou melhor, mandou que seu assistente me ligasse. Marcamos um café ali pertinho da UFPR mesmo, na praça Santos Andrade. Quando cheguei ao local, me atrasando para fazer charme, ele já estava lá – juntamente com o assistente e um assistente do assistente.

Apresentações devidamente feitas, me sentei. Noves fora, eu era um menino perna-de-pau diante do Pelé.

Foi uma decepção. Dalton Trevisan era um homem de riso surpreendentemente espontâneo e de conversa fácil, muito cortês e simpático. E, se me lembro bem, naquele dia fez uns comentários que hoje seriam considerados sexistas. Mas não falava com a mesma elegância de seu texto. E tampouco estava interessado em discutir seus livros e o assunto que mais me interessava na época: a ojeriza que ele nutria por qualquer tipo de publicidade envolvendo seu nome.

Tomamos café mais duas vezes. A certa altura, perguntei a ele por que não íamos à Confeitaria das Famílias, um daqueles lugares da chamada “Curitiba Mítica” que tanto combinava com os livros dele. Dalton Trevisan ficou brabo – e com razão. Noutra ocasião, perguntei sobre a relação dele com outros dois expoentes da Geração Joaquim, Poty Lazzarotto e Wilson Martins. Ele contou alguma fofoca por alto e confessou: “Eu brigo com todo mundo”.

E briga mesmo. Por qualquer coisa. Ou por nada. Algumas semanas mais tarde, fiz contato para marcar outro café. Silêncio. Insisti. Silêncio ao quadrado. Até que desisti (em minha defesa posso dizer que não sou dos mais perseverantes neste tipo de situação). Depois de muitos anos, me disseram que Dalton Trevisan tinha ficado irritado com alguma coisa que escrevi sobre um buraco de rua qualquer. Mas prefiro acreditar que ele simplesmente tenha se cansado da minha chatice.

Depois daquela experiência, ainda cometi outras vezes o erro de conhecer artistas que admirava, sobretudo escritores e poetas. O resultado foi sempre o mesmo. O lado bom é que, de uma vez por todas, aprendi (acho): os homens invariavelmente estão aquém de suas grandes criações. (Por mais que hoje O Vampiro de Curitiba me pareça um livro menor).

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