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Ainda dá tempo de deter a “onda vermelha”. Mas, para isso, talvez o presidente precise abandonar a retórica e partir para a ação eficiente.
Ainda dá tempo de deter a “onda vermelha”. Mas, para isso, talvez o presidente precise abandonar a retórica e partir para a ação eficiente.| Foto: Reprodução/ Twitter

Em entrevista exclusiva a Zoe Martinez, comentarista da Jovem Pan, o presidente Jair Bolsonaro foi falar da situação dos refugiados venezuelanos e se saiu com esta: “a onda vermelha está crescendo no Brasil”. A frase me chamou a atenção pelo gerúndio e também porque serve como uma expressão de um temor coletivo que simplesmente não deveria existir nesse momento. Afinal, há menos de quatro anos o Brasil consagrou nas urnas o antiesquerdismo intuitivo de Bolsonaro e tantos mais governadores, senadores e deputados.

Por isso vi na declaração do presidente sinais de, na pior das hipóteses, uma análise político-eleitoral que, apesar do discurso antipesquisa e pró-dataPovo, prevê a retomada do poder pelos petistas. Não seria uma análise absurda, embora seja deprimente. Afinal, olhe à nossa volta. Argentina e Chile já sucumbiram à onda vermelha. A Colômbia pode avermelhar em breve. E, neste contexto, o que impede o Brasil de enrubescer também?

A resposta a essa pergunta retórica deveria ser “Jair Bolsonaro”. Mas não é. E é aqui que entra a melhor das hipóteses para o fato de o presidente ter alertado para a onda vermelha que ganha força no Brasil. Talvez a frase tenha sido dita porque Bolsonaro percebe que poderia ter feito mais e melhor, apesar da oposição do STF e da perseguição da imprensa militante. Talvez a frase seja, portanto, um sinal de que Bolsonaro reconhece os fracassos de suas batalhas. Isto é, daquelas que ele optou por travar.

E agora talvez seja uma boa hora de você que não suporta ser contrariado correr para me xingar de comunista ou petista. Porque, nos parágrafos seguintes, se o texto sair como planejado (nunca sai), pretendo citar alguns fracassos políticos que vejo no governo de Jair Bolsonaro. Uma série de decisões e omissões que julgo equivocadas, mas que muita gente considera acertadas – e não há nada de mau nisso. Afinal, teoricamente, mui teoricamente, estamos entre amigos. Puxe uma cadeira. Tem cerveja na geladeira, se você quiser.

Batalhas

Começo justamente com as batalhas que Bolsonaro optou por travar. E nas quais insiste. Liberdade é importante, claro. E concordo que a defesa da liberdade durante a reinado linha-dura de governadores e prefeitos que saíram por aí fechando tudo e até espancando gente em praça pública era importante. Mas como reagiu o presidente às sucessivas derrotas impostas pelo STF? Com uma retórica que só inflamou ainda mais o conflito e que culminou com aquela declaração ao povo brasileiro intermediada pelo ex-presidente Michel Temer. Ou seja, muito barulho para nada.

Há pelo menos um ano Bolsonaro insiste também na Batalha das Vacinas. Ou Batalha contra as Vacinas. Escolha a preposição que considerar a mais adequada. Trata-se de uma batalha importante, mas perdida. O brasileiro, mesmo reclamando, mesmo com medo, mesmo confuso e às vezes até mesmo engajado na mesma causa do presidente, vai ao posto de saúde e se submete à picadinha. Pior: a teimosia bolsonarista por essa causa acaba por alienar um eleitorado conservador, liberal, de direita (chame como quiser) que não vê com bons olhos algo que soa justamente como... teimosia.

Ainda sobre as batalhas que Bolsonaro decidiu ou não lutar, chama a atenção a situação de um personagem: Roberto Jefferson. Que, sem meias-palavras e ecoando uma coluna recente de J.R. Guzzo, é um preso político sumariamente condenado por crime de opinião. Por que o governo de Jair Bolsonaro não denuncia a situação de Bob Jeff aos organismos internacionais, nem que seja pelo barulho? Por que ele não se compromete pessoalmente, e por uma questão de princípios, com a defesa da liberdade de um velhinho lunático que mal tem forças para erguer armas, quanto mais para derrubar a democracia?

Para encerrar essa parte do texto (até aqui, tudo saiu mais ou menos como o planejado), vale falar não sobre as batalhas em si, e sim sobre como essas batalhas são travadas. Ou seja, a única arma que Bolsonaro usou para lutar contra os lockdowns, contra a obrigatoriedade dos passaportes vacinais e pela liberdade de expressão foi a retórica. O palavrório simples ou bruto (o freguês é quem sabe), mas inegavelmente ineficiente tanto no campo simbólico quanto no prático. Não por acaso, diante do avanço da variante ômicron já há governadores e prefeitos querendo impor medidas restritivas. O STF determinar a obrigatoriedade da vacinação de bebês é uma questão de tempo. E só um milagre tira Roberto Jefferson da prisão.

Nada

Também são muitas as coisas que o governo poderia ter feito ao longo desses anos todos, sobretudo antes da pandemia de Covid-19, mas inexplicavelmente não fez. Eu sei, eu sei. Há uma imprensa militante ruidosa e que faz uma oposição histriônica não só ao presidente, mas também a tudo que cheire a “conservadorismo”. Se a gritaria é garantida, contudo, por que se importar com ela? Por que não agir de acordo com os princípios e até as promessas de campanha, dando de ombros para o que William Bonner lê no teleprompter?

Veja o caso do aborto, por exemplo. Bolsonaro foi eleito por uma massa que é contra o assassinato de fetos. E, no entanto, que tipo de ação se viu nesse sentido? Que tipo de publicidade se deu à causa pró-vida? Outro exemplo gritante é a segurança pública. Por mais que assuntos como a diminuição da maioridade penal para crimes hediondos esbarrem na oposição do STF, por que não colocar o tema em permanente evidência – o que obrigaria a esquerda a assumir uma posição que lhe renderia no mínimo muita antipatia?

No campo simbólico, ah, quanta coisa poderia ter sido feita, ou melhor, ainda pode ser feita. Seria sonhar demais com um ENEM que propusesse como tema de redação os horrores do Holodomor ou as consequências nefastas da Revolução Cultural na China de Mao? A imprensa militante reclamaria. O STF talvez desse 48 horas para o Ministro da Educação se explicar. Mas e daí? Novamente ecoando as palavras de J. R. Guzzo, o que de fato aconteceria se o presidente ou os ministros dessem as costas para o STF quando a corte age assim politicamente? Nada.

Tsunami

“A onda vermelha está crescendo no Brasil”, reconheceu o presidente Jair Bolsonaro. As explicações são várias e variadas, ao gosto do sociólogo ou do cientista político da vez: a cultura estatista, o paternalismo, o sebastianismo, a ignorância quanto ao funcionamento do próprio Estado, a militância do STF, a desonestidade intelectual no debate público, a campanha incessante da imprensa. E quantos mais etcéteras o leitor quiser.

Não se pode ignorar, contudo, que o governo de Jair Bolsonaro teve três anos para fazer uma coisinha só que mudasse ao menos um pouquinho a percepção das pessoas quanto ao que está de fato em jogo no conflito entre conservadores e progressistas, direita e esquerda. Mas o que o governo fez até aqui, se é que fez algo, foi insuficiente e/ou ineficiente. Espero que ainda haja tempo para se construir um dique contra essa onda. Antes que ela vire tsunami.

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