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Escrito há quase 70 anos, “Cristianismo Puro e Simples”, de C. S. Lewis, surpreende o leitor ao falar de assuntos atualíssimos, como Lula e STF.
Escrito há quase 70 anos, “Cristianismo Puro e Simples”, de C. S. Lewis, surpreende o leitor ao falar de assuntos atualíssimos, como Lula e STF.| Foto: Pixabay

Em meio à tediosa discussão sobre a cobrança ou não de impostos sobre os livros, considerados pela Receita Federal artigos destinados ao consumo dos ricos (quem dera!), bato com a cabeça na parede. Sem querer. E pela terceira vez no dia.

É, estou um tanto quanto avoado ultimamente. E dessa vez a culpa é de ninguém menos do que o sr. Clive Staples Lewis. Que com seu magnífico, estupendo e extraordinário “Cristianismo Puro e Simples”, desde o começo do ano me faz perceber que as respostas para todos esses dileminhas que poluem as páginas do jornal estão dadas e são de certa forma óbvias.

Veja, por exemplo, o capítulo que li ainda na semana passada, sobre esperança. Uma coisinha à toa. Na edição impressa deve ter umas cinco páginas. E que, no entanto, explicam com perfeição por que nos causam tanta ojeriza os homens que vivem para a glória mundana – como políticos, celebridades, artistas e até jornalistas.

De quebra, os parágrafos econômicos deste capítulo específico de “Cristianismo Puro e Simples” iluminam o caráter trevoso dessa pandemia, com nossa obsessão pela saúde à custa de uma liberdade a duras penas conquistada e da qual neste momento só existem resquícios que uns poucos heróis guardam sob seus colchões.

STF, Kajuru, Lula

Mas aí eu penso, penso, penso e, em pensando, acabo me distraindo e batendo com a cabeça na parede. Para a alegria da minha mulher que, do outro lado da casa, ri sua risada mais divertida. Como expressar essas coisas para leitores afundados no debate político mais rasteiro, mais agressivo, mais conflituoso possível? Como convencê-los não da infalibilidade das ideias de C. S. Lewis (afinal, ele é um ser humano falho), mas da necessidade de recuperarmos a dimensão espiritual da vida?

(E tudo isso em meio a uma decisão do Supremo Tribunal Federal que, em essência, determinou que, em questões sanitárias, as decisões do Estado se sobrepõem às do espírito, concretizando o sonho marxista de um Estado de mentalidade materialista e ateia).

Me sento diante do computador. Tento escrever, mas é difícil. Qual o assunto do dia? Ah, um senador divulga uma conversa privada com o presidente. Ânimos se exaltam. Traição, golpe, impeachment. Aquela coisa toda. Por sob os óculos escuros, os olhos semicegos do senador Kajuru denunciam o deserto moral que as palavras de Lewis descrevem tão bem: a capitulação do homem a tudo o que é transitório e nada virtuoso. Mas como expressar isso sem me imiscuir também nessa discussão fétida e pegajosa de tudo o que é efêmero?

Pelo celular, sou informado de que o ex-presidente Lula, o Mentiroso, recuperou seus direitos políticos e já está livre para ser derrotado em 2022. E encontro nesse fato a justificativa perfeita para citar C. S. Lewis. “Os apóstolos que se puseram a converter o Império Romano, os grandes homens que construíram a Idade Média, os evangélicos ingleses que puseram fim ao tráfico de escravos, todos deixaram sua marca na Terra justamente porque suas mentes estavam ocupadas com o Céu”, escreve ele, iluminando o caráter mundano de um político corrupto que se perdeu na própria história e, em abdicando de desejar o Céu, acabou por se autocondenar à miséria das discussões políticas. (Uma autocondenação que nem o STF é capaz de anular).

Glórias

Quando dou por mim, a noite caiu. O texto avançou pouco, ao contrário das discussões infrutíferas nas redes sociais. Antes de fechar o computador e dar o dia por encerrado, contudo, anoto uma pergunta: será que o que queremos para nós é a glória pseudovirtuosa das querelas políticas? Queremos dinheiro, sucesso, milhares de seguidores nas redes sociais e um verbete na Wikipedia? Ou será que está mais do que na hora de nossas figuras públicas almejarem uma glória que transcenda a conta bancária recheada e os aplausos?

Diante do caráter insaciável daqueles que buscam as glórias mundanas, explica Lewis, o tolo age com ressentimento, culpando as coisas mundanas em si. Lewis fala de mulheres ou férias em hotéis de luxo. Poderia falar também das ambições pelas coisas intangíveis: um político com um discurso “totalmente diferente”, a implementação de alguma medida identitária, a vitória revolucionária. “Eles [os tolos] passam a vida toda trocando de mulher, viajando de um continente a outro, mudando de passatempo, sempre pensando ter finalmente encontrado ‘A Coisa Certa’, e sempre se decepcionando”, escreve Lewis.

E eu não posso deixar de pensar na sensação de derrota que se abate sobre mim nos dias em que mais anseio por me fazer compreendido. Como hoje. Mas agora é hora de encerrar. Encerrando. Está encerrado.

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