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Bolsonaro faz um gesto “não conservador” durante uma cerimônia qualquer.
Bolsonaro faz um gesto “não conservador” durante uma cerimônia qualquer.| Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/Agênci

Agora virou moda entre os pensadores da direita pom-pom de cortina (na qual jocosamente me incluo) usar todo o estoque de aspas com pedigree conservador para constatar: Jair Bolsonaro não reza por essa cartilha. Sério? Qual foi o primeiro sinal? A julgar pela velocidade da constatação, prevejo a surpresa do primeiro intelectual do tipo a tropeçar num Mises para descobrir que Bolsonaro tampouco é liberal.

Curiosa, aliás, essa necessidade de enquadrar ideologicamente um presidente eleito sob condições muito específicas, com uma personalidade ambígua e dono de uma visão de mundo para lá de confusa, a fim de justificar o antibolsonarismo empedernido, casmurro mesmo. Um antibolsonarismo que, mais do que um movimento, é uma sensação revolucionária que nasce de uma visão idealizada do conservadorismo.

Ou seja, a fim de fazer com que esse ou aquele líder popular se enquadre numa ideologia a ser combatida, o intelectual ignora as infinitas nuances que tornaram esse líder popular o que ele é. Incluindo, aí, o carisma, a capacidade de comunicação com as massas e até uma dose de salvacionismo, entre outras características que unem os populistas.

Não. Bolsonaro e seu bolsonarismo (à venda nas versões leve, médio e intenso) não são conservadores. Mas e se eu disser que o antibolsonarismo obstinado, birrento e cabeça-dura, quando não psicótico, tampouco é conservador – por mais que se tente racionalizá-lo com aspas e apuds os mais diversos? Afinal, o conservador digno desse nome está mais preocupado em navegar virtuosamente pela realidade do que em alterar essa realidade.

Indiana Jones e a busca pelo conservador puro

Isso é algo que me incomoda profundamente nesse antibolsonarismo que se pretende a esclarecido, mas que é só carente de uns afagos da tchurma. Ainda mais quando ele vem de um grupo que, ainda que de nariz torcido, ajudou a eleger Bolsonaro. Estou falando de um idealismo quase romântico, do tipo que pressupõe que o líder de um povo precisa ser um representante moralmente puro não do povo, mas da elite que ambiciona guiar esse povo. Ideologicamente, esse líder precisa ser um ortodoxo – no limite da perfeição.

Quando, até por características próprias da democracia contemporânea, o líder popular, vulgarmente chamado de populista, é um amálgama que reflete precariamente os valores da maioria que o elegeu. Não, Bolsonaro não é um conservador de alta estirpe simplesmente porque o brasileiro, ainda que majoritariamente possa se identificar como conservador, entende o conceito ora como reacionarismo, ora como puritanismo, ora como messianismo e ora – pasmem, direita pom-pom de cortina! – como revolução.

A um conservador digno do nome e da gravata borboleta, pois, era de se esperar também um olhar ultracompassivo em relação ao presidente. O que, reconheço, não é fácil – ainda mais quando se vive sob pressão de uma turba anônima nas redes sociais e no Tempo da Indignação Permanente. Mas é o que eu sempre digo: se fosse fácil, se não demandasse o exercício das virtudes mais nobres, qualquer progressista louquinho faria.

Pergunta que proponho ao intelectual que faz carinha de nojo para Jair Bolsonaro só porque o homem não leu Scruton: o que há de conservador (e cristão?) no julgamento impiedoso, quando não irado, de um homem falho, necessariamente falho, e que por circunstâncias incontroláveis e temporárias hoje veste a faixa presidencial?

Não seja o mal que você abomina

Não, Bolsonaro não é conservador. Não segundo a régua de Russell Kirk, não segundo a régua de Roger Scruton, não segundo a régua de Oakeshott. Não segundo a minha régua – que dirá a sua! Isso não o torna reprovável per se. E de forma alguma o torna automaticamente um governante a ser derrubado e substituído por “conservadores” como João Dória ou (faz me rir!) Lula.

Mas é o que já disse aqui uma vez: o grande problema do debate público no Brasil é a qualidade da oposição, que alterna períodos de omissão e momentos de antagonismo agressivo e irracional. O bolsonarismo é tão estranho, tão incompreensível e às vezes tão incômodo que nubla nosso olhar outrora disposto a encontrar um mínimo de boa fé nos feitos de um líder que pode até ser esteticamente repulsivo, mas que foi democraticamente eleito.

Também ela, a direita conservadora (que aqui chamo de “pom-pom de cortina” só para dar cor ao texto), não sabe lidar com a política das paixões – da qual Bolsonaro é produto. Perdida e sem se sentir representada pelo governante que idealizava em 2018, essa direita acaba por abdicar de princípios a fim de ver prevalecer sua alternativa. Que, no caso de Bolsonaro, é qualquer um  (alguns cortejam até Lula).

Um ensinamento universal, sedimentado na melhor tradição que o conservadorismo afirma proteger, diz que não devemos ser o mal que tanto abominamos e contra o qual lutamos com tanto afinco. Para mim, é na desobediência a esse ensinamento que Bolsonaro mais se desvia da rota da virtude (moral, política, econômica, etc). Mas, curiosamente, é neste ponto que Bolsonaro e o antibolsonarismo se unem no que têm de pior: a crença de que só a destruição do outro vai nos trazer paz e prosperidade.

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