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Povo na rua, por mais legítimas e justas que sejam suas demandas, não significa necessariamente mudança. Ainda que seja prazeroso o efeito catártico.
Povo na rua, por mais legítimas e justas que sejam suas demandas, não significa necessariamente mudança. Ainda que seja prazeroso o efeito catártico.| Foto: Reprodução/ Twitter

Hoje mais cedo, no caminho de casa à padaria, vi muitos carros com a bandeira do Brasil na janela. No meu WhatsApp, várias pessoas que mantinham uma distância saudável das questões políticas confirmaram que estarão nas ruas na próxima terça (7). Pois é. De acordo com o DataOlho, as manifestações de Sete de Setembro serão mesmo enormes.

O gigantismo das manifestações contra os desmandos de Alexandre de Moraes & Cia., porém, pode se revelar um problemão para o presidente Jair Bolsonaro. No pior dos cenários – o da inação e do apego ao “simbolismo da multidão” – Bolsonaro pode acabar vítima do próprio sucesso retórico.

Isso porque muita gente acredita que, no dia seguinte às manifestações de Sete de Setembro, o Brasil acordará no berço esplêndido da plena democracia, com o STF recolhido ao papel que lhe cabe. Quiçá com direito até a mea culpa do ministro-censor, do iluministro e até do ministro que, depois de duas ou três cambalhotas jurídicas, achou por bem tornar Lula elegível. Sinto ser o portador das más notícias, mas isso não vai acontecer.

Em outras palavras, a enormidade dos protestos e a importância de uma causa capaz de levar milhões às ruas agora obrigam o presidente, inegável incentivador das manifestações, a agir (espera-se que “dentro das 4 linhas da Constituição”, como ele costuma dizer). Do contrário, Bolsonaro fomentará a frustração de uma população que, bufando, dirá: “Vesti a camisa da Seleção e fui às ruas... para nada?!”.

Armadilha inescapável

Tenho observado com alguma curiosidade e preocupação o aumento de expectativa em relação ao já histórico 7 de setembro de 2021. É uma expectativa estranha, com algumas semelhanças em relação aos protestos de 2013 – embora as pautas daqueles eventos fossem muito mais difusas. Há uma esperança de restauração da ordem no ar. Algo que, no entanto, depende da ação do Chefe do Executivo.

O fato é que se criou a ideia de que estamos diante de um divisor de águas. Um momento épico, basilar para a Civilização Tupiniquim ou o futuro da democracia ou sei lá o quê. Não nego, mas confesso envergonhadíssimo: também eu sofro às vezes dessa vontadezinha de acreditar que estou testemunhando um evento que mudará o destino do país. Afinal, sou filho do meu tempo – ainda que um filho rebelde, quando não pródigo.

A expectativa heroica, contudo, não resiste a uma análise um pouco mais fria. Mais provável é estarmos diante de gritos que nada mudam, de gestos grandiosos reduzidos ao simbolismo inócuo, de conflitos de imaginação (as tais “narrativas). Da “bravata das bravatas”. E essa frustração é o que preocupa. Sabe todo mundo que já passou os olhos por Joseph Campbell que o herói que não cumpre o seu destino, seja ele qual for, estará condenado à vilania.

E se as bravatas continuarem sendo bravatas? Se as provocações continuarem sendo provocações? E se a corda se provar infinitamente elástica? Neste caso, se me permitem a projeção um tanto quanto pretensiosa e o adjetivo exagerado, com um quê de nelsonrodrigueano, Jair Bolsonaro terá criado para si uma armadilha inescapável.

Efeito catártico

Obrigado a agir, e contando com o apoio de uma parte considerável da população, o que fará o presidente Jair Bolsonaro no dia 8 de setembro de 2021? Ele não pode satisfazer o desejo de muitos que querem ver os ministros do Supremo Tribunal Federal no olho da rua de uma hora para outra. Não sem ultrapassar as já míticas “quatro linhas da Constituição”. Bolsonaro tampouco parece capaz de se articular politicamente para, de alguma forma, atingir os juízes supremos via Legislativo.

Enquanto isso, o STF tende a continuar com sua investida antidemocrática disfarçada de “preocupação com as instituições”, “combate ao discurso de ódio” e outras historinhas para boi dormir. A maior prova disso foi a prisão, às vésperas do aguardado Sete de Setembro, de um jornalista e um caminhoneiro. Sejamos sinceros: Alexandre de Moraes e os seus não estão nem aí para a estabilidade política do país.

Neste momento da história (e do texto), vale lembrar que a Venezuela, uma ditadura escancarada, vivenciou em 2019 protestos também gigantescos contra o tirano Nicolás Maduro. A ditadura, lá perpetrada por um conluio entre Executivo, Legislativo e Judiciário, balançou, mas não caiu. Ou seja, povo na rua, por mais legítimas e justas que sejam suas demandas, não significa necessariamente mudança. Ainda que seja inegavelmente prazeroso o efeito catártico.

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