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Venha de onde vier, seja feita como for, aplicada nas nádegas ou na testa: vale qualquer coisa para ver restaurada um pouco da liberdade.
Venha de onde vier, seja feita como for, aplicada nas nádegas ou na testa: vale qualquer coisa para ver restaurada um pouco da liberdade.| Foto: Pixabay

As imagens que associamos à liberdade são as mesmas desde que me entendo por gente (há uns cinco anos). Um homem em meio à natureza. Um rebelde pilotando uma motona por uma estrada deserta. Um prisioneiro libertado dos grilhões. Algemas abertas. E agora haveremos de incluir também nessa imagética da liberdade a figura de uma nada convidativa seringa. Porque a vacina contra a Covid-19 (e só a vacina) será capaz de nos tirar dessa prisão sem grades em que a China nos meteu.

Ao longo da semana passada, acompanhei com certo distanciamento as discussões sobre a obrigatoriedade ou não da vacina contra Covid-19. Em parte porque vi naquele palavrório todo um falso debate, uma tentativa tola e desesperada de pregar no Presidente a pecha de antivacina por causa de mais uma declaração à toa. E em parte porque há muito desisti de convencer qualquer pessoa de que existe uma coisa chamada responsabilidade pessoal. Estado não deveria ser babá de ninguém – mas, ah, tão quentinho o berço esplêndido, não?

O fato é que eu mal posso esperar para tomar a vacina. Pode ser russa, chinesa, iraniana, nauruana. Pode ser feita com sangue de panda, chifre de rinoceronte, barbatana de golfinho, lágrimas de crocodilo ou ovos de águia-careca. Pode ser aplicada com uma agulhada nas nádegas, debaixo das unhas ou na testa. Pode trazer estampada na embalagem a cara de Putin, do camarada Mao ou da Anitta. A essa altura do campeonato, sinceramente, a vacina pode ter embutido até um chip chinês que não me incomodo de tomá-la.

Mas este sou eu

Mas este sou eu: um homem que às vezes olha em volta e não acredita no que está vendo. Que, ao receber a notícia de que o prefeito de Curitiba impôs novamente medidas restritivas sem qualquer garantia de que isso vá evitar mortes ou internamentos, mas com toda a garantia do mundo de que vai afetar a vida das pessoas e aniquilar algumas liberdades fundamentais, tomou a decisão de comprar um saco de pancada – na esperança de manter o que lhe resta da sanidade.

Um homem que não dá um abraço no pai e na mãe há sete meses e que não vê o filho há oito meses. Que foi xingado de negacionista e terraplanista e algum outro ista que me escapa à memória. Que não suporta mais o tom de voz condescendente dos pandemínions do bem que o aconselham a não sair para tomar uma cervejinha na sexta à noite, emoji coração, hashtag fiqueemcasa. Que não entende como você – justo você! – não percebe o absurdo disso tudo.

Um homem que no fundo sabe que o mundo jamais voltará ao normal porque sempre teremos tiranetes vislumbrando a possibilidade de aparecer na televisão ou se embriagando com delírios de que seus decretos esdrúxulos lhe garantirão reconhecimento e imortalidade. Um homem que, por detrás da máscara inútil do Garfield, pela qual ele pagou caro demais, ri da obediência bovina com que todo mundo, ele inclusive, aceita qualquer coisa com a cabeça baixa de quem se sabe súdito de qualquer cesarzinho de província.

E, por fim, um homem que tem esperança infundada e até ingênua de que essa vacina, venha ela de onde vier, vai mesmo pôr fim, pelo menos até o próximo vírus, a essa sentença que ele e os seus por ora cumprem sem ter cometido outro crime que não o de estar vivo.

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