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Quando me perco em indignações ou delírios de imortalidade, me lembro da frase simples, mas sábia e necessária: isso também passará,
Quando me perco em indignações ou delírios de imortalidade, me lembro da frase simples, mas sábia e necessária: isso também passará, (O braço da foto não é o do colunista).| Foto: Reprodução/ Pinterest

Há dois anos, e sem outra pretensão que não a de disseminar um pouco da esperança estoica que me servia de muleta naquela situação, compartilhei o adágio “Isso também passará” nas redes sociais. No momento em que se fala em guerra nuclear, retomada do fascismo sanitário e volta do PT ao poder, achei por bem resgatar a frase que decora corpos tatuados e raramente estoicos (perdão pelo preconceito) em suas versões em inglês (“This too shall pass”), em hebraico (“גַּם זֶה יַעֲבֹר‏”) e em persa (این نیز بگذرد).

A origem precisa da frase é desconhecida. Há quem a atribua ao rei Salomão, daí sua versão em hebraico. No século XIX, o adágio chegou ao Ocidente por meio de uma parábola persa recontada pelo poeta inglês Edward Fitzgerald. A parábola fala de um rei que pediu a uns sábios que criassem um anel que o deixasse feliz quando estivesse triste. Os sábios teriam confeccionado o anel com a frase “Isso também passará”. O detalhe é que o anel também tinha o poder de deixar o rei melancólico quando ele estivesse, digamos, empolgadinho.

Tomei conhecimento da frase há bons vinte anos. Mas, na arrogância que caracteriza a juventude, tomei-a por “sabedoria paulocoelhiana” e a ignorei. Tolice das tolices, tudo é tolice quando se é jovem. Tanto pior se você é levado a crer na superioridade do próprio intelecto, desprezando a sabedoria simples e milenar de tantos que aqui foram felizes e sofreram antes de retornarem ao pó.

Redescobri o “isso também passará” há uns dez anos, na forma de oração. Trancafiado num quarto escuro e ansiando pela morte, sem conseguir enxergar qualquer saída e encarando no espelho um monte de escombros sem futuro, eu repetia que tudo aquilo também passaria, na esperança de ver meu sofrimento aliviado. Mas não tinha convicção alguma no que dizia. Aos poucos, porém, as três palavrinhas passaram a orientar minha postura em fases boas e ruins. Até se tornarem algo natural.

Como é próprio da profissão e da minha personalidade, contudo, às vezes passo meses sem perceber que isso (e aquilo e aqueloutro) também passará. E, quando dou por mim, me vejo perniciosamente obcecado por um assunto destinado a virar nota de rodapé num livro chato que ninguém no futuro lerá. Nessas ocasiões, aprendi que só me resta esperar pela oportunidade de topar ao acaso com a memória da frase que nos dá a dimensão exata de nossa pequenez, mas sem nos humilhar.

Interessante é que o adágio ganhou popularidade no Ocidente depois de ter sido usado por um político – Abraham Lincoln. Antes de se tornar presidente dos Estados Unidos e falando para uma associação de agricultores de Wisconsin, Lincoln reproduziu a frase, acrescentando que ela, ao mesmo tempo em que nos despia do nosso orgulho, nos consolava em nossa aflição.

Bons tempos, aqueles em que o Ocidente tinha líderes com uma noção sóbria e inteligente do alcance de seus projetos políticos. Líderes que sabiam que suas ações, por mais virtuosas ou perversas que fossem, também passariam. Como de fato passaram as guerras, dando lugar a novas guerras, e as pandemias, dando lugar a outras pandemias, e os próprios políticos com seus ideais revolucionários, dando lugar a novos políticos e novas revoluções e contrarrevoluções.

Hoje em dia trabalho numa casa banhada em luz. E já não mais anseio pelo beijo da Indesejada. Embora me perca numas indignações tolas às vezes, sei que para elas sempre haverá saída. O mesmo serve para os momentos de euforia, quando me perco nuns delírios de imortalidade e autoimportância que não fazem sentido algum. Isso também passará. Eu também passarei. E, se as palavras que registro cotidianamente sobreviverem a mim, sei que elas um dia também passarão.

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