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Que a Torre de Babel hoje em dia atenda pelo nome de progressismo é apenas um detalhe.
Que a Torre de Babel hoje em dia atenda pelo nome de progressismo é apenas um detalhe.| Foto: Reprodução/ Wikipedia

Ando incomodado com meus textos sérios e/ou melancólicos demais. É fase, eu sei, mas nessas horas parece que todas as imagens potencialmente engraçadas dão uma de cubanos e fogem da minha cachola autoritária. Olho para o futuro mais imediato, para daqui a algumas horas ou dias, e não vislumbro nada que possa virar riso. E, tudo bem, gosto de compartilhar também reflexões mais sisudas. Mas toda essa pressão sobre a alma tem que encontrar uma válvula de escape.

Infelizmente, não vai ser desta vez que minha casmurrice dará lugar à galhofa. Estava aqui absorvendo notícias de que a linguagem neutra passará a ser usada nas novelas e também vários textos declarando guerra ao consumo de carne. E, quando dei por mim, me vi atirado no chão, mais uma vez imaginando distopias as mais tenebrosas possíveis - por mais chacotas que eu consiga incluir nelas.

Foram necessárias várias horas para que, depois de um esforço consciente, conseguisse me livrar do medo desse futuro no qual as ideias mais extremadas do progressismo são realidade. Me ajudou nesse passeio pelo mundo dos Jetsons, ou melhor, Jetoffprings as palavras sempre apaziguadoras do ultraponderado Alan Jacobs.

Em seu livro mais recente, “Breaking Bread With the Dead” [Comungando com os mortos], ele vislumbra brevemente um futuro no qual nós, onívoros atuais, somos vistos com ojeriza por uma Humanidade tão "evoluída" que quem não aderiu ao veganismo se restringe a comer proteínas sintéticas na forma de filés geometricamente perfeitos criados em impressoras 3D. Com muita calma e parcimônia, como lhe é característico, Jacobs nos convida a compreender esses humanos do futuro e suas escolhas (muitas delas sem dúvida alguma semeadas no presente).

Não é uma ideia de fácil assimilação, essa de que as pessoas não só rejeitarão o consumo de carne como também verão com assombro e ojeriza seus antepassados onívoros. Mas daí sou obrigado a olhar criticamente para o umbigo e evocar a sabedoria de Bill Bryson, que descreve esse incômodo como algo natural - e até risível. À medida que envelhecemos, percebemos que o mundo não mais nos pertence. E nos revoltamos e nos indignamos com isso. E queremos manter as coisas como eram perfeitas em nossas lembranças. Daí a ranzinzice que caracteriza os velhos.

Jacobs vai além em sua provocação e faz uma analogia (a meu ver despropositada) entre o consumo de carne e a escravidão. Para alguns (não todos!) donos de escravos no século XIX, era impensável que 150 anos mais tarde os negros fossem livres e que a simples memória da escravidão gerasse tanto sofrimento. E para nós, hoje, é impensável que os donos de escravos não fossem pessoas más. Simplesmente não conseguimos nos transportar para um sistema de valores diferentes dos atuais. Falta-nos, para isso, um bocado de imaginação. Para não falar na compaixão.

Os valores mudam. Às vezes para melhor, às vezes para pior. Às vezes avançam e às vezes retrocedem. Sempre se adaptando às necessidades de cada época. Tenho certeza, por exemplo, de que o transgressor Oscar Wilde jamais imaginou que em um século os homossexuais seriam aceitos nas sociedades ocidentais e se tornariam tão influentes a ponto de impor toda uma pauta sobre a tal heteronormatividade. Duvido que ele tenha imaginado que, na sua condição de gay, pudesse vir a ser cancelado por sua branquitude ou por não defender a linguagem neutra ou a ideologia de gênero.

Quando olho para a frente e vislumbro um tempo em que já não mais estarei aqui, o que vejo ainda é a tirania do progressismo, em suas manifestações mais absurdas. Não é difícil antever um tempo em que as políticas de reparação raciais criem uma sociedade na qual a branquitude seja um mal em si. Também não é difícil imaginar um mundo onde a elite se comunica pela linguagem neutra, legando a linguagem “comum” à ralé. Se fecho os olhos por um instante, vejo facilmente a abolição do sexo biológico. Mas talvez (talvez!) tudo isso não passe de um olhar distorcido de alguém que já começou a perceber que o mundo não mais lhe pertence.

De qualquer modo, convém dizer o óbvio: não há nada de novo sob o Sol. No fundo, somos os mesmos homens falhos que desde tempos imemoriais desejam alcançar os céus construindo estruturas frágeis que recebem nomes de acordo com a conveniência da época. Que a Torre de Babel hoje em dia atenda pelo nome de progressismo é apenas um detalhe.

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