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Na surdina, O Livro Vermelho de Mao continua a guiar revolucionários sanguinários.
Na surdina, O Livro Vermelho de Mao continua a guiar revolucionários sanguinários.| Foto: Reprodução/ YouTube

Imagine um livro de terror mais assustador e mais mal escrito do que O Iluminado, de Stephen King. Um livro impresso e distribuído aos milhões (há quem fale em bilhões) e cujo objetivo não é a apenas virar página após página sentindo o coração bater mais forte, e sim exterminar os reacionários e os imperialistas.

E agora pense que esse livro está sendo usado na surdina (e às vezes nem tão na surdina assim) para fomentar movimentos revolucionários violentos como o Black Lives Matter. Estou falando do infame, ignóbil, sórdido e torpe O Livro Vermelho de Mao, carinhosamente chamado pelos maoístas de O Livrinho.

Publicado entre 1964 e 1976, a coletânea da “sabedoria” do Grande Timoneiro foi leitura obrigatória na China da Revolução Cultural. Depois da morte do Camarada, O Livrinho se tornou motivo de riso e escárnio como símbolo da insanidade maoísta. Ressurgido das trevas, hoje suas palavras de ordem lançam luz sobre os objetivos de grupos como Antifa e BLM – dedicados a transformar a sociedade por meio de uma revolução cultural de clara inspiração chinesa.

Ao longo das últimas semanas, tive o questionável prazer de ler as poucas páginas do Livro Vermelho de Mao. E não, você não leu errado. Demorei semanas para chegar à página final porque, de vez em quando, tinha de parar, respirar, sair à sacada e tentar me convencer de que não, não existe gente querendo reviver o pesadelo proposto por Mao Tsé-Tung.

Qualidade improvável

Se há uma qualidade improvável em O Livro Vermelho de Mao é a forma explícita com que ele expressa, sem qualquer constrangimento, o desejo por sangue. Mao Tsé-Tung, ou quem quer que tenha escrito aquelas palavras (antes de ter sido enviado para um campo de trabalhos forçados), não é como a esquerda-fofinha brasileira, que usa palavras como "amor" e "tolerância" para pregar uma ideologia baseada no ressentimento e na inveja. É tudo muito preto no branco mesmo.

Logo no começo, por exemplo, Mao justifica historicamente sua proposta de eliminação da classe inimiga. “Luta de classes, algumas classes triunfam e outras são eliminadas. Assim é a história, assim é a história da civilização há milhares de anos. Interpretar [o mundo] a partir desse ponto de vista é materialismo histórico; sustentar o ponto de vista contrário é idealismo histórico.”

Sem muitas delongas, Mao continua dizendo que “o inimigo não morrerá por si só” e que “a revolução não é um convite para um jantar; é uma insurreição, é um ato de violência pela qual uma classe derruba a outra”.

Não há, no Livrinho Vermelho, qualquer sugestão de convivência entre ideias diferentes. Contrariando qualquer noção básica de compaixão e respeito, Mao condena até mesmo as pessoas que não têm inimigos. “Se a pessoa não é atacada por um inimigo é porque desceu ao nível dele”, escreve. “É bom se formos atacados pelo inimigo. Isso prova que traçamos uma clara linha de marcação entre nós e eles”.

Coraçãozinho com as mãos

Muitas outras coisas chamam a atenção nesse panfleto carniceiro. Mas aqui destaco duas: o anti-intelectualismo e o inegável ar de superioridade moral com que Mao se refere ao povo. “Os intelectuais não gostam do nosso Estado de ditadura do proletariado e suspiram pela velha sociedade. Sempre que surge uma oportunidade, fomentam desordens, tentam derrubar o Partido Comunista e restaurar a velha China. Tais indivíduos encontram-se nos círculos políticos, industriais, comerciais, educacionais, científicos, tecnológicos e religiosos, e são reacionários em extremo”, escreveu Mao.

Para, logo em seguida, revelar o que há por trás dos movimentos que hoje tomam conta das universidades e das ruas, derrubando estátuas e pregando novas formas de segregação, e até mesmo de líderes tupiniquins sempre dispostos a usar o microfone para dizer que o povo não sabe votar. “Entre as características dos seiscentos milhões de chineses destaca-se o fato de estarem na pobreza e em branco. Aparentemente isso é uma coisa má, mas na realidade é uma coisa boa. A pobreza provoca o desejo de mudança, de ação e revolução, e numa folha em branco é possível pintar os mais frescos e belos caracteres, os mais frescos e belos quadros”.

Rousseau não escreveria melhor. Neruda não faria poesia melhor.

Também no Livrinho encontramos a perversão do pensamento aristotélico segundo o qual o homem é um animal político. Não à toa, o conflito é defendido pela esquerda contemporânea em termos bélicos e estimulado nas redes sociais pelo uso do lugar-comum “tudo é política”. Mao propõe um estado de guerra permanente. “A guerra é uma continuação da política por outros meios. Quando a política se desenvolve para uma certa etapa além da qual já não pode progredir por meios habituais, a guerra eclode para remover do caminho os obstáculos. Quando os obstáculos são removidos e o objetivo político alcançado, a guerra termina. Mas se os obstáculos não são completamente removidos, a guerra tem que continuar. Pode-se dizer que a política é a guerra sem o derramamento de sangue, e a guerra, a política sangrenta”.

Ainda com dúvidas a respeito da influência do Livro Vermelho de Mao sobre os movimentos revolucionários contemporâneos? Talvez essas duas passagens esclareçam o porquê das arruaças dos justiceiros sociais nos Estados Unidos. “ Todos os comunistas devem compreender a seguinte verdade: o poder político nasce do fuzil”, escreve Mao. E, da próxima vez que você vir Manuela D’Ávila fazendo coraçãozinho com as mãos, talvez seja o caso de se lembrar dessa minimáxima do Grande Timoneiro: “A tarefa central e a forma suprema da revolução é a conquista do poder político pelas armas, é a solução desse problema pela guerra. Esse princípio revolucionário do marxismo-leninismo é válido universalmente, tanto na China como em todos os outros países”.

Contradição e “ideias corretas”

Num único momento Mao Tsé-Tung (ou seu ghostwriter) cai em contradição. Depois de páginas e mais páginas pregando a guerra e a eliminação dos inimigos, e dizendo que a convivência entre os diferentes é impossível, um Mao Ternurinha diz que “A única via de resolver as questões de natureza ideológica ou as controvérsias no seio do povo é o uso do método democrático, da discussão, da crítica, persuasão e da educação, e nunca o uso do método de coerção ou repressão”.

Esse trecho destoa tanto do restante que alguém um pouco mais paranóico do que eu desconfiaria que se trata de um trecho “contrabandeado” para apelar a uma esquerda democrática. Mas só acredita na balela de que Mao via mesmo a “persuasão e educação” como forma de resolver questões de natureza ideológica aqueles que também acreditam na pureza de movimentos como Black Lives Matter ou, para usar uma referência mais doméstica, MST.

Mao fala ainda do papel da arte na Revolução, dá instruções sobre a organização do exército, tenta convencer o leitor de que sua guerra é justa e faz considerações sobre a industrialização da China. É possível passar horas e horas destacando cada disparate escrito por Mao e posto em prática por seus asseclas, sempre com consequências trágicas. Mas me falta estômago para empreitada tão nefasta.

Encerro, pois, com um trecho bastante significativo, porque usa duas expressões reveladoras do pensamento coletivista que domina nosso tempo: “existência social do homem” e “ideias corretas”. Esse trecho expressa a essência do comunismo, com seu objetivo de uniformização e aniquilamento da individualidade, e sobretudo com sua arrogância em querer controlar a Humanidade a fim de criar um Paraíso na Terra – empreitada que sempre se provou infernal.

“A existência social do homem determina o seu pensamento. Uma vez dominadas pelas massas, as ideias corretas que caracterizam a classe avançada tornam-se uma força material, capaz de transformar a sociedade e o mundo”, escreve Mao.

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