Pouco me interessam as mentiras que uns e outros canalhas contam a si mesmos para justificarem o sequestro e morte de crianças, jovens, adultos e idosos perpetrados por terroristas do Hamas no sábado (7). As análises históricas e políticas; as demonstrações de lealdade partidária e ideológica; a pura e simples demonstração da arrogância intelectual - tudo isso é lixo. É resto do qual se envergonharão aqueles que tiverem a sorte de, nos próximos anos, cultivar um mínimo de decência e honestidade.
O que me interessa é apenas e tão-somente o que meus olhos veem e meus ouvidos ouvem, por mais que eu não consiga compreender o idioma: as crianças de no máximo três anos presas em gaiolas (EM GAIOLAS!)*; o olhar do menininho israelense sequestrado e que agora é alvo dos palestininhos; a mulher morta no meio da estrada, um buracão de bala assim ó na lateral do corpo; os muitos corpos espalhados pela rua; os avôs e avós massacrados na calçada; os jovens desesperados tentando fugir do fuzilamento na rave; e, por fim, a menina alemã na caçamba da pick-up, os membros quebrados em ângulos impossíveis, seminua, humilhada depois de morta, como se fosse um saco de lixo ou nem isso.
E, agora, essa imagem que acabei de ver e que não queria ter visto. Mas vi e agora vou descrever, mesmo sabendo que minha descrição jamais conseguirá expressar todo o horror que vi naqueles poucos segundos. No chão da casa, pai, mãe, filho e filha são subjugados pelos terroristas palestinos do Hamas. No olhar das crianças, o medo infantil de um bicho-papão real. Na expressão da mãe, um instinto animalesco de proteção: ela fará qualquer coisa para proteger os filhos. Nos gestos do pai, que tem as mãos ensanguentadas, supostamente de um terceiro filho morto, o desespero de quem se sabe à mercê de psicopatas determinados a exterminá-los.
Caim
Se você vê uma imagem dessas e não se coloca no lugar do outro – que tipo de ser humano você é? Sério. Imagine a história que há por trás da família. Todas as muitas preocupações e momentos de felicidade e aspirações, umas mais e outras menos elevadas. Veja a menina e o menino, todo o potencial que há neles e que está prestes a virar passado. E, se sobreviverem, em que tipo de adultos se transformarão? Quantas noites passarão acordados, se lembrando desse dia, um acontecimento a ser sussurrado nas festas de família ou afogados em toneladas de ansiolíticos ou antidepressivos – na melhor das hipóteses.
Entendo pouco de geopolítica. Ouço Hamas e me lembro de homus. Li mais Isaac Bashevis Singer do que Isaiah Berlin. Mais poesia do que tratados. Aliás, essas teorias políticas todas me entediam profundamente e me parecem diabolicamente inúteis, um obstáculo para a caridade, quando vejo a confusão nos olhos das crianças enjauladas ou o pavor na forma como o menino se encolhe e tenta se proteger dos insultos. Nem mesmo na expressão apalermada dos frequentadores da rave pela paz e que foram dizimados pelos terroristas há espaço para as relativizações ou as sutilezas ou os vejabens de quem acredita observar o mundo de uma torre, quando na verdade está apenas rastejando entre outros que foram tomados pelo espírito de Caim – para usar a imagem forte e precisa mencionada por Jordan Peterson.
Caim que não é apenas símbolo da inveja materialista de quem cobiça a prosperidade alheia; ele é também símbolo de toda uma visão de mundo baseada na ideia de autossuficiência, de merecimento, de ingratidão e principalmente de egoísmo. Caim que, se achando digno das recompensas divinas, matou o que restava de divino em si ao assassinar o irmão. Caim que certamente erra por este mundo inventando para si justificativas que explicariam sua violência e sua condição de “injustiçado”. Caim que neste exato momento está soltando uma nota de apoio ao Hamas ou dizendo que veja bem, os israelenses não são santos e as pessoas mortas eram fascistas e os palestinos não-sei-o-quê, não-sei-o-que-lá.
* Parece que a imagem das crianças nas gaiolas é da guerra na Síria, não do ataque do Hamas a Israel. O que não quer dizer que as demais atrocidades, e foram muitas e todas repulsivas, não ocorreram.
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