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A criança de apenas 12 anos não resistiu a um cancro supremo no Judiciário, com metástase no Legislativo e na imprensa biliática.
A criança de apenas 12 anos não resistiu a um cancro supremo no Judiciário, com metástase no Legislativo e na imprensa biliática.| Foto: Custom Tombstone Maker

Morreu ontem o menino Votoauditável Marcelo da Silva. A criança de apenas 12 anos não resistiu a um cancro supremo no Judiciário, com metástase no Legislativo e na imprensa biliática. Tão bonito, tadinho, Votauditável será velado nos próximos dias sob uma saraivada absurda de aplausos por parte dos que, ontem (10), votaram para desligar as máquinas que o mantinham vivo, apesar do coma.

Votauditável Marcelo da Silva nunca teve vida fácil. Nascido nos estertores do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (com o qual, apesar do sobrenome, o menino sempre fez questão de dizer que não tinha qualquer parentesco), Votauditável foi logo abandonado pelos pais, mais preocupados em garantir a permanência no poder e em sugar os cofres públicos.

Não se sabe ao certo quem o amamentou nos primeiros meses de vida. Nem quem trocou suas fraldas, preparou papinha, o segurou pela mão nos primeiros passos e o ensinou a falar. Só se sabe que, ainda em 2015, Votauditável Marcelo da Silva recebeu a alcunha que o tornaria conhecido no Brasil inteiro até o seu derradeiro fim, na noite de terça-feira: Votimpresso.

Naquele ano, os deputados Marcelo Squassoni e Bacelar, ao verem o menino famélico nas esquinas da capital federal, decidiram pegá-lo pela mão e transformá-lo em Lei. Eles levaram Votauditável para casa, deram banho, comida, roupas limpas (um terninho, precisa ver que coisa linda ficou!) e o apresentaram ao Congresso. Foi aí que Votauditável ganhou o segundo nome que não é nada cafona, não, imagina!

Os parlamentares da época ficaram encantados com o menino. Tanto que 433 deputados votaram “sim” quando Leonardo Picciani (pronuncia-se “Pitchiani”) levou Votauditável ao plenário da Câmara. Quatrocentos e trinta e três! Picciani, a quem Votauditável chamava carinhosamente de “tio Piti”) fez um discurso emocionado à época, exaltando as qualidades do seu pupilo.

(Aqui, por pura falta de talento do cronista, Squassoni e Bacelar simplesmente desaparecem da história, como bem observa o crítico literário Maçante da Silva – que, apesar do sobrenome, tampouco tem qualquer parentesco com o menino ou o ex-presidente).

Temerosos de que o pequenino Votauditável se transformasse num Brutus a esfaqueá-los pelas costas, porém, os senadores da República Federativa do Brasil-sil-sil se negaram a transformá-lo em qualquer coisa semelhante à Lei. Diz a lenda totalmente crível que Votauditável viveu três anos no plenário do Senado, dormindo sob as poltronas e sobrevivendo à base de migalhas e de um ou outro cafezinho que conseguia surrupiar dos senadores.

Até que, em 2018, Votauditável viu sua vida mudar completamente. Ele estava lá, no Senado, brincando de polícia-e-ladrão com os petistas, quando ficou sabendo que, do outro lado da Praça dos Três Poderes, 11 super juízes que vestem capas pretas como o Batman (ah, a imaginação inocente das crianças...!) selariam seu destino. Ele tinha apenas nove anos, portanto, quando começou a lutar, sem saber, contra o cancro supremo que acabaria por vitimá-lo.

Por um placar de 8 a 2, e por iniciativa de Rachel Dodge, que neste triste conto de fadas faz o papel de bruxa má, Votauditável percebeu que não tinha muito futuro pela frente. No dia do impeachment de Dilma Rousseff, ele saiu do Senado, pegou um ônibus para o Rio de Janeiro, deu uma banana para a arquitetura de Oscar Niemeyer e disse: “Quer saber? Eu vou é curtir uma praia antes que seja tarde demais”.

Assim Votauditável passou o ano de 2019: curtindo a vida sobre as ondas. Ele tatuou um dragão no braço (“calção, corpo aberto no espaço”) e pensou em mudar de nome. Mas, indeciso entre se chamar Filipe ou Felipe, não percebeu quando um grupo de admiradores liderados por Bia Kicis o pegou dormindo sob uma marquise e o levou de volta a Brasília. “Você tem um destino a cumprir, moleque!”, disse ela, carinhosa, mas firme.

E foi assim, cheio de esperança e sob os holofotes, que Votauditável viveu seus últimos dias de vida. Era um menino alto, de aparência frágil e sorriso fácil, uns olhinhos melancólicos e, claro, desconfiados. Ele olhava com admiração o presidente, que retribuía o olhar; e se escondia sempre que via alguém usando uma capa preta. Era um Jeca Tatu com um quê de Macunaíma.

Sem saber do câncer que o consumia, Votauditável sofreu uma parada cardíaca na quinta-feira (5). Ressuscitado pelo presidente da Câmara, Arthur Lira, o menino mergulhou no coma. Todos os esforços foram feitos para que ele voltasse à semivida em que vivia. Mas não deu. Diante dos 218 votos contrários à existência de Votauditável Marcelo da Silva, coube a um resignado Arthur Lira (que alguns dizem que já até havia se afeiçoado ao moleque) desligar as máquinas que o mantinham vivo.

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