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O dinossauro da contracultura não está sabendo lidar com um Universo que mudou de ideia e não mais conspira a favor do progressismo.
O dinossauro da contracultura não está sabendo lidar com um Universo que mudou de ideia e não mais conspira a favor do progressismo.| Foto: Site oficial de Paulo Coelho

Paulo Coelho desejou com toda a força do seu ser, escreveu um tuíte de meras 11 palavras, apagou-o (porque o que vale mesmo é a intenção) e testemunhou, mais uma vez, ainda que brevemente, o Universo conspirar a seu favor. Ele, que andava sumido porque hoje ninguém mais lê os livrinhos esotéricos-juvenis que escreveu, ganhou relevância momentânea novamente ao pedir que o mundo boicotasse os produtos brasileiros. Do contrário, um tal de “talibã cristão” triunfaria por aqui.

Nutro por Paulo Coelho um fascínio que remonta à minha adolescência, quando li O Diário de Um Mago como uma forma de afrontar os ensinamentos religiosos da saudosa irmã Clementina, diretora do colégio Madalena Sofia. Naquela época, não sabia distinguir um texto bom de um ruim, não entendia nada de guerra cultural, contracultura ou esoterismo, e a política era só um pretexto para fazer aviãozinho com os santinhos dos candidatos. Ah, o ridículo da juventude.

Com o passar do tempo, o fascínio por Paulo Coelho foi se metamorfoseando e deixou de ser uma admiração distanciada, do mesmo tipo que eu sentia por, sei lá, Guns and Roses, para virar uma enorme dúvida: como alguém que escreveu prolificamente sobre buscar o autoconhecimento, sobre encontrar a Paz num Universo caótico, sobre a eterna luta entre as forças do Bem e do Mal pode ser tão escravo da vaidade, dessa sensação mundana, vulgar, cafona e débil de autoimportância?

(E, no entanto, como poderia ser diferente?).

Essa, aliás, era uma das perguntas que eu pretendia fazer a Paulo Coelho numa entrevista arranjada depois de muita insistência, lá pelos idos de 2002. Seria uma entrevista por telefone. Na véspera, a assessoria da editora ou do próprio Paulo Coelho, não lembro, pediu para ler as perguntas. Relutei, mas acabei mandando. A entrevista foi cancelada e a pergunta ficou sem resposta.

Alguns anos mais tarde, num arroubo que misturava arrependimento pelos meus anos de virulência e curiosidade pura e simples, criei para mim mesmo o desafio de ler toda a obra de Paulo Coelho. Comecei e parei em O Alquimista. Simplesmente porque a vida é curta demais para esse tipo de empreitada de retorno financeiro, intelectual, emocional e espiritual questionável.

Dinossauro hippie

Desde então, acompanho a uma distância segura a carreira do mago. Como personagem, não dá para negar que ele é interessante. Desde sua internação no hospital psiquiátrico, passando por suas experiências com os ensinamentos de Aleister Crowley, a parceria musical com Raul Seixas, a vida de burguês-arqueiro na Suíça, a eleição para a conservadoríssima (até então) Academia Brasileira de Letras e, por fim, o papelão a que ele se presta atualmente, como analista político, tuiteiro e, para minha surpresa, ativista anticristão.

Paulo Coelho é um dinossauro da contracultura que, apesar de seus 73 anos, e apesar de seus ensinamentos de humildade e submissão às “forças do Universo”, seja lá o que for isso, age como um militante arrogante de uma causa ultrapassada e cansativa. A geração dele realmente desejou com “toda a força do ser” e viu o progressismo triunfar nas últimas cinco décadas, talvez até com uma ajudinha do Universo, que estava numa fase assim meio Che.

Agora, contudo, os ex-hippies enfrentam um Universo que parece conspirar contra seus desejos revolucionários. E, compreensivelmente, não estão sabendo lidar com isso. O conservadorismo que eles sempre atacaram perdeu a vergonha de ser. O capitalismo do qual eles se beneficiaram, sempre cheios de uma culpa hipócrita, se mostrou melhor para reduzir a miséria do que o escambo e a vida natureba cheia de privações que eles defendiam. E as pessoas continuam desejando ter famílias sólidas e relacionamentos duradouros até a velhice, ao contrário da individualidade promíscua e da juventude eterna defendidas por uma geração espiritualmente perdida.

Aliás, a desorientação espiritual (de certa forma irônica numa pessoa que ganhou milhões guiando os leitores na busca pelo Eterno) é o que explica o curioso termo “talibã cristão” cunhado por um escritor cujo talento não é reconhecido nem por seus sempre muito corporativistas pares. Se em vez de ficar vendo demônios travestidos de cachorros no Caminho de Santiago Paulo Coelho tivesse estudado realmente as Escrituras, jamais cometeria a insanidade de relacionar o Cristianismo contemporâneo a uma seita assassina e fanática do Islamismo.

Mas quem sabe um dia ele não se senta às margens do rio Arve, chora por 11 minutos e, desejando novamente com toda a força do seu ser, aprende de uma vez por todas que, se o Universo conspira hoje em dia, é contra a política corrompida e os valores forjados na lama de Woodstock e nos caldeirões do esoterismo barato.

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