A reputação dos jornalistas anda mais em baixa do que a Bolsa de Tóquio. Mas ainda há algum residual de credibilidade. Acho que foi por isso que, no churrasco do fim de semana, amigos e a parentaiada chata em peso vieram me perguntar: e se o Brasil virar a Venezuela?
Semelhanças entre a nossa “democracia” e a ditadura escancarada de Maduro & seus capangas comunistas não faltam. Cá como lá, há censura e perseguição, presos políticos, aparelhamento do Judiciário – e um sistema eleitoral que não se pode questionar de jeito nenhum! Sem falar na incômoda presença de um líder ridículo, dado a declarações repugnantes e sem apoio popular.
Ainda assim, permanece a questão e não me deixam nem levantar para um refil de caipirinha: e se o Brasil virar a Venezuela, Paulinho? A insistência na pergunta, bem como a fome e um papo meio besta sobre o Coxa ser rebaixado para a Série C (Terceira Divisão, para os íntimos), começaram a me irritar. De modo que comecei a devolver a pergunta como se Brazuela já fosse uma realidade.
Mercado negro
“O que vocês pretendem fazer se o Brasil virar uma Venezuela?”, perguntei e os tios e primos arregalaram os olhos como se eu estivesse lhes pedindo uma explicação sobre a fórmula de Bhaskara. Um deles, meio brincando, meio a sério, disse que pretendia fugir para o Paraguai, aqui ao lado. Outro preferiu demonstrar todo o seu espírito empreendedor dizendo que já está estocando itens de primeira necessidade. “Já tenho um quartinho cheio de papel higiênico pra vender no mercado negro”, disse, todo orgulhoso, até ser calado por uma saraivada de shhhhhhs. “Pô, tio. Não pode mais falar ‘mercado negro’”, esclareceu alguém.
A conversa enveredou por esse caminho. Graças a Deus. Assim tive tempo para me fartar de coraçãozinho e sambiquira. De longe, fiquei ouvindo a discussão acalorada sobre a influência do politicamente correto no vocabulário do churrasco. Então quer dizer que não pode mais dizer isso? Não. Não pode mais dizer aquilo? Não. Aí um primo sacana se lembrou da minha existência e, quando percebi, me vi novamente rodeado pela parentaiada desesperada com a possibilidade de o Brasil virar uma ditadura comunista. Uma Venezuela.
“Aí o churrasco vai ter que ser de gato”, disse alguém, ameaçadoramente. Coincidência ou não, nessa mesma hora a Catota passou correndo e foi se esconder. Foi então que decidi responder à pergunta política e existencial que tanta angústia causava aos convivas. Antes, porém, avisei aos amigos e parentes, uns sóbrios e outros nem tanto, que eles provavelmente não gostariam da minha resposta. “Fala logo, Paulinho!”, disse o tio Rubens, impaciente. Respirei fundo e vou aproveitar que está todo mundo em suspense para repetir o alerta: vocês não vão gostar muito da minha resposta.
Se o Brasil virar a Venezuela
Se o Brasil virar a Venezuela, isto é, se o Brasil virar uma ditadura escancarada e ainda por cima comunista... a gente enfrenta, ué. Assim como temos enfrentado todos os problemas políticos e econômicos das últimas décadas. A gente encara. Uns dias com coragem e outros com medo; aqui com resiliência e ali fraquejando; hoje com esperança, amanhã com desalento, depois com esperança de novo. E por aí vai.
Porque ninguém disse que a vida seria sombra e água fresca (ou mamão com açúcar, para quem prefere). Ninguém jamais disse que teríamos para sempre liberdade, democracia e prosperidade. Ou, se alguém disse e a gente acreditou nessa balela, azar o nosso. Garantido mesmo neste mundo, só o sofrimento.
Se o Brasil virar a Venezuela, pois, a gente luta. Com quais armas? Com as que a gente tem e que não são necessariamente as de fogo. E com as que a gente não tem ainda e vai precisar inventar. Sim, vamos ter que remar tudo de novo. Reconquistar a liberdade, a democracia e a prosperidade. Vamos precisar de muita paciência. Pelos nossos filhos e netos. Afinal, “a vida é luta renhida”, como já dizia o poeta.
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