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O filme “On the Waterfront” recebeu no Brasil o título nada sutil de “Sindicato de Ladrões”.
O filme “On the Waterfront” recebeu no Brasil o título nada sutil de “Sindicato de Ladrões”.| Foto: Reprodução/ IMDB

Acordo e, logo cedo, ouço o recado em tom de ameaça da querida Alexa: hoje é o último dia de mandar cartinha para o sindicato dos jornalistas. Do contrário, terei um desconto de 5% do meu salário. Esse dinheiro será usado, entre outras coisas, para financiar toda uma estrutura burocrática para negociar com o sindicato patronal um aumento coletivo que este ano foi de inacreditáveis 1,20% (sim, a vírgula está no lugar certo).

O comunicado/ultimato me chegou na semana passada. Eu achava que tudo era muito simples, que bastava mandar um e-mail dizendo “Ó, Fulano, não tô a fim de pagar pra sindicato filiado à CUT ficar defendendo político ladrão e denegrindo a imagem da profissão que eu exerço com orgulho”. Mas não. Meus colegas me dizem que é preciso enviar um formalíssimo “Termo de Não Aceite da Taxa Assistencial”. O documento, me instruem, deve ser preenchido, assinado, escaneado, transformado em PDF e enviado para ninguém menos do que o Presidente do sindicato. Mas pelo menos não precisa de autenticação nem firma reconhecida.

É uma trabalheira danada – o que, evidentemente, não deve incomodar sindicalista no bem-bom, mas que atrapalha um bocado quem trabalha de verdade e não tem estabilidade no emprego para exercer atividade sindical. Mas podia ser pior. Sei de catigurias cujo sindicato, ao menos antes da pandemia, exigia cartinha de oposição escrita à mão e entregue pessoalmente pelo funcionário, que tinha que pegar dois ônibus e atravessar a cidade para não ter o famigerado desconto nos vencimentos.

E ainda há quem acredite que o sindicato trabalha “no interesse do trabalhador” e outros slogans mofados e cheios de teias de aranha.

Mas para que servem os sindicatos?

Sindicatos – e o dos jornalistas não é exceção – são a manifestação mais repugnante da ideia de que relações entre patrões e funcionários são sempre conflituosas e que, por isso, precisam de intermediários marxistamente esclarecidos que impedirão uma opressão ainda maior dos oprimidos. Desde que eles paguem o antigo imposto sindical, agora rebatizado de “taxa de assistência”.

Em 2017, essa estrutura mafiosa (e, antes que reclamem do palavreado, explico que o negócio da máfia sempre foi oferecer proteção em troca de uma contribuição, daí a analogia) sofreu um golpe que parecia mortal, mas que infelizmente foi só um tiro de raspão. O deputado Paulo Martins conseguiu, quase que por milagre, extinguir o infame imposto sindical que tirava dinheiro do trabalhador produtivo e transferia para esses grupelhos corporativistas que estão até agora tentando entender, sem sucesso, como a lei da oferta e demanda afeta o mercado de trabalho.

E para que mesmo servem os sindicatos hoje em dia? Não sei e duvido que você saiba. Que categorias do funcionalismo público tenham sindicatos, e sindicatos fortes, até entendo. Afinal, elas têm um poder de chantagem enorme sobre o pobre cidadão pagador de impostos. Basta os professores da rede pública ameaçarem uma greve (bu!) e logo aparece um político para dizer que é preciso investir em educação e... toma aqui 10% de aumento.

Na iniciativa privada, porém, sindicato serve, no máximo, para organizar um campeonatozinho de futebol e, talvez, um churrasco de confraternização – ao qual só comparecem os alinhados ideológicos do sindicato, porque ninguém aguenta ouvir petista repetindo aqueles discursos pré-históricos de sempre.

Paulo Martins merece elogios por sua tentativa de acabar com os sindicatos sanguessugas brasileiros. Pena que ele tinha apenas uma bala na agulha. Tivesse mais, poderia ter acabado também com a estabilidade de emprego dada a sindicalistas – o que, na prática, se traduz num ano sabático improdutivo para quem teve a brilhante ideia de legitimar a preguiça entrando para a chapa com um cargo qualquer no soviete.

Preciso tomar uma atitude

Bom. Interrompi o trabalho aqui para mandar o tal “termo de não aceite”. Mandei pedindo aquele aviso de recebimento automático. Mas o Outlook acaba de me informar que “A entrega para estes destinatários ou grupos foi concluída, mas o servidor de destino não enviou uma notificação de entrega”. Sentindo o sangue na garganta qual João do Santo Cristo, dei uma de Tina (personagem de esquerda que anda irritando demais a esquerda) e gritei para o apartamento vazio: “Preciso tomar uma atitude!”

E foi assim que, depois de meia dúzia de mensagens trocadas, nasceu a “Chapa Apocalypse Syndycal Now” para concorrer nas próximas eleições da guilda. Nossa plataforma é enxuta, mas boa. Diria até que excelente. Mas se você insiste em considerá-la extraordinária, assim seja. A primeira proposta, ou melhor, promessa é a de acabar com a taxa de assistência. A segunda, exigir que os sindicalistas estejam devidamente empregados e trabalhando. A terceira é a desfiliação da CUT e a proibição de qualquer relação entre sindicato e partidos políticos. E a quarta é minha renúncia, porque eu tenho mais o que fazer.

A chapa não tem nenhuma chance de vitória, mas por alguns minutos me deixo levar pelo sonho de ver implodir essa herança fascistóide. Saio do transe para voltar a trabalhar. Agora é esperar que minha cartinha seja devidamente lida e aceita pelo supremo líder sindical, o Presidente, que minha “má-vontade” seja respeitada e que a taxa assistencial não seja mesmo cobrada. E, mais tarde, rever aquele filme muito bom do Elia Kazan com Marlon Brando. Aquele.

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