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Imagine se a técnica recém-descoberta pelos gigantinhos fosse aplicada a todas as situações que despertam o ímpeto linchador dos justiceiros sociais.
Imagine se a técnica recém-descoberta pelos gigantinhos fosse aplicada a todas as situações que despertam o ímpeto linchador dos justiceiros sociais.| Foto: Reprodução/ Facebook

No capítulo anterior, o grupo Porta dos Fundos quase foi cancelado por seus parças da milícia anônima Sleeping Giants*. Tudo porque o grupo, conhecido por seu humor muito ousado e maduro, quis fazer graça com uma vereadora reacionária da reacionaríssima Curitiba. Hipócritas!, gritou a turba ensandecida (sempre ela!), mas não isenta de razão. Cadê a “coação do bem” dos gigantes adormecidos em berço esplêndido nessas horas?!

A indignação é dirigida ao grupelho terrorista virtual que, num capítulo mais antigo ainda, interrompeu a sonequinha para tentar fechar a Gazeta do Povo, jornal que aparentemente insiste em empregar um Bicho Papão. Para a surpresa de ninguém, contudo, os anõezinhos com dismorfia intelectual não só ignoraram o turbonazimachismo de Greg & Cia como ainda parabenizaram os palhaços por terem tirado o vídeo do ar.

O comunicado dos gigantes alimentados à base de leite com pera é uma obra-prima do gênero literário contemporâneo conhecido como passapanismo. “O Porta dos Fundos sabe que precisamos de mais mulheres na política e por isso excluiu o seu vídeo em respeito a toda a participação feminina na política brasileira. Parabéns ao canal pela decisão!”, diz o tuíte compreensivo, respeitoso e emocionantemente crédulo de que, se o grupo de humor errou, foi com a melhor das intenções.

Houve quem se revoltasse. Dois pesos e duas medidas!, gritou alguém lá da última fileira da arquibancada. Queria ver se fosse com uma vereadora do PSOL!, sugeriu Fulano atrás do picadeiro. Tudo jogada ensaiada!, denunciou outro, ligando pontos que ninguém mais viu e dizendo para si mesmo “Nossa! Como eu sou esperto!”

A nobilíssima arte de perdoar

De minha parte, fiquei refletindo sobre a nobre arte de “passar o pano” – arte aviltada por essa expressão abjeta e vista com desdém, à direita ou à esquerda, por uma multidão obcecada pela ideia muitas vezes deturpada de justiça. E, para a surpresa da minha gata, a única testemunha ocular deste momento ridículo, diante da passada de pano nota 10 (pronuncia-se "déishhh") dos Sleeping Giants no machismo do bem do grupo Porta dos Fundos, me levantei e bati palmas lentamente, três vezes, sussurrando para a casa vazia um bravo sem exclamação.

Estou sendo irônico, mas não muito. Afinal, a nobre e novíssima arte de passar pano nada mais é do que a igualmente nobre e antiquíssima arte de analisar a situação, ouvir o outro lado, compreender as motivações, perdoar e seguir com a vida. Sem linchamentos, sem justiçamentos, sem conclusões apressadas e penas capitais idem. Sem tentar destruir a vida de toda uma comunidade por causa de uma simples discordância ideológica.

Foi o que a milícia virtual fez com os amiguinhos monopolistas do humor ideologicamente virtuoso. Eles estudaram, ponderaram, refletiram sobre o caso. Diante da justificativa do Porta dos Fundos, segundo a qual eles não queriam ofender ninguém, foi mal, desculpa aí, a eles foi concedido o escasso, e por isso mesmo valioso, benefício da dúvida. Até porque não há mesmo como duvidar da sinceridade do pedido de desculpas de um grupo de humor que diz que em nenhum momento tentou fazer graça.

O fim da cultura do cancelamento

O modus operandi de passapanismo da quadrilha de gigantes deveria ser aplicado a todos os conflitos virtuais. Todos. O presidente Jair Bolsonaro disse alguma asneira revoltante ou inaceitável? Ó, que pena. Vamos pensar por que ele disse isso ou aquilo. Vamos dar a ele o benefício da dúvida. Vamos ouvir uma justificativa racional. Vamos analisar as consequências concretas, no mundo real, daquelas palavras. E, se for o caso, vamos perdoar. Afinal, se disse o que disse, foi com a melhor das intenções.

O jornalista se expressou mal? Ó, que coisa. Que tal tentar entender as motivações dele antes de sair por aí pedindo sua cabeça ou, pior, antes de sair por aí atrapalhando a vida de centenas de pessoas que nada têm a ver com a opinião controversa e só estão tentando fazer o seu melhor trabalho? E mais: que tal acreditar sempre na sinceridade de um pedido de desculpas, por mais esfarrapadas que essas desculpas possam parecer num primeiro, segundo e terceiro momentos?

Imagine se a “revolucionária” técnica de passar pano recém-descoberta pelos gigantinhos birrentos fosse aplicada a todas as situações que despertam o ímpeto linchador dos chamados internautas! A cultura do cancelamento simplesmente desapareceria. E ao menos uma lasquinha da admirável Civilização seria colada com o Super Bonder da compreensão, da tolerância, do respeito às diferenças. Seria admirável, ah, se seria!

* Imagine o tamanho da nota de rodapé para explicar essa bobagem para um leitor do futuro!

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