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Johnson & Johnson foi interrompida pelo surgimento de uma doença inexplicada em um dos participantes do estudo.
Tomé não entendia nada de vacina ou porcentagem, mas queria ficar famoso e virar influenciador.| Foto: Bigstock

Ao ler as notícias sobre a eficácia da vacina contra a Covid-19 desenvolvida pela Pfizer e BioNTech, Tomé não pôde acreditar. “Malditos sejam!”, disse ele para o apartamento vazio, como se fosse um personagem de desenho animado, e sem especificar quem. Tomé se levantou e ligou a televisão, na esperança de que todos aqueles analistas lá do canal de notícias contradissessem as muitas personalidades do mundo do futebol, da TV e da música que ele seguia (e nas quais acreditava) nas redes sociais.

“Tenho que fazer alguma coisa. Não é possível!”, pensou ele, os pontos de exclamação ricocheteado na caixa craniana. Tomé, então, pegou o tripé e a câmera, preparou a iluminação, ajeitou na estante ali atrás um exemplar surrado do A Revolta de Atlas – o livro mais grosso que ele tinha em sua biblioteca comprada a metro – e se pôs a transmitir ao mundo toda a sua sabedoria no canal TomaTomé (2 inscritos) do YouTube.

Depois de pigarrear e soltar seu bordão “éééééeéééééééé, galerinha!”, Tomé foi logo provocando a audiência com sua indignação autoesclarecida. Afinal, como era possível que ninguém estivesse falando dos 10% de ineficácia da vacina contra Covid-19 produzida pela Pfizer e a BioNTech? Quem são esses 10%? Isso equivale a nada menos do que 700 milhões de pessoas que ainda continuariam vulneráveis. Absurdo! Absurdo!

Ao ver que os espectadores simplesmente não apareciam para ouvir suas palavras, Tomé interrompeu a transmissão, foi tomar água e pensar no que diria em seguida. Ele tinha uns princípios, mas não via mal nenhum em ter outros, se sua plateia assim o quisesse. Ao voltar com a transmissão, Tomé primeiro pediu desculpas pela interrupção e disse estar sendo perseguido pelas grandes empresas de tecnologia que não querem que sua palavra seja ouvida. Depois.

Depois Tomé falou de autismo e vacina. E de Biden. E arranhou o mandarim para dar um recado que, tinha certeza, seria ouvido por Xi Jinping. Daí emendou vários assuntos e, já perto do fim, decidiu não aliviar nem mesmo para o Papa – mas lhe faltou latim para se fazer compreendido.

Esbaforido e ao ver que o contador de espectadores não saía do lugar, Tomé interrompeu a transmissão mais uma vez. E tomou mais um copo d´água. E, novamente, saiu pela casa catando uns princípios éticos que o gato jogou para debaixo do sofá. Respirou fundo, sentou-se no banquinho diante do tripé, passou as mãos nos cabelos para descobrir que eles estavam empapados de suor, e continuou.

Dessa vez, ele pôs a culpa pela interrupção nos oligopólios – palavra cujo sentido ele desconhecia, mas que soou apropriada para a ocasião. E desandou a falar de feminismo, da falta que uma boa Enciclopédia Barsa faz a essa geração, sobre as virtudes do cachorro-quente da Barraca do Ezequiel (vizinho dele), sobre 5G e câncer no cérebro. Tomé só não terminou a transmissão com uma receita de sopa de morcego porque seria um evidente exagero.

A transmissão da edição especial do Tomatomé foi um fracasso, mas não por muito tempo. Usando sete perfis fakes, ele repercutiu a si mesmo no Twitter e no Facebook. Três perfis o elogiaram com palavras de incentivo e hashtags de apoio ao governo e quatro o insultaram com os xingamentos mais cabeludos do mundo, usando hashtags como #Fatlivesmatter e a velha, boa e eficiente #Lulalivre.

Em pouco tempo, Tomé testemunhou o milagre da multiplicação de suas palavras. E, de repente, ele virou a estrela que tanto sonhava ser. Seu celular não parava de tocar e notificá-lo de mais um seguidor, mais uns inscrito no canal, mais um comentário elogioso ou mal-educado – quem se importa?! Mil, dez mil, cem mil inscritos. Tomé agora podia encher a boca para se dizer um influenciador destinado, ou melhor, disposto a pôr ainda mais lenha nessa fogueira.

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