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Lourdes Melo PCO Piauí
Além de risos, a simplicidade algo grosseira da candidata Lourdes Melo (PCO) desperta preocupações quanto a uma democracia que se recusa à autocrítica.| Foto: Reprodução/ Twitter

Calma. Já volto para falar sobre o caso da professora Lourdes Melo (PCO), a candidata ao governo do Piauí que me fez primeiro rir e depois pensar nas deficiências e perversidades da democracia (sir Alexandre de Moraes que me perdoe falar uma heresia dessas!). Antes, porém, quero e vou prender sua atenção com uma frase de efeito que ainda por cima é uma paráfrase de Chesterton. Ei-la: “quem ignora os problemas da democracia merece as soluções da ditadura”.

A frase original falava dos problemas do capitalismo e das "soluções" do socialismo. Convém pedir ao leitor um pouco de parcimônia com o verbo "merecer". Nem Chesterton nem eu desejamos o mal de ninguém. "Merecer", tanto na frase quanto na paráfrase, tem um tom educativo, carinhoso e ligeiramente cômico. É como uma mãe que diz que quem não escova os dentes merece enfrentar a tortura do dentista.

Sobre a professora Lourdes Melo, ela é uma velha conhecida dos piauienses. Desde 2006 ela se candidata ora ao governo do estado ora à prefeitura de Teresina. Os resultados, você há de imaginar, são pífios. Na eleição passada, por exemplo, a simpática velhinha mal-humorada amealhou meros 156 votos. Que, por algum motivo que não vale nem a pena pesquisar, foram anulados.

Desta vez Lourdes Melo chama a atenção das redes sociais por seu jeito entre o simplório e o barraqueiro. Durante um debate entre os candidatos ao governo do Piauí, ela chamou uma concorrente de “Barbie bolsonarista” e partiu para o confronto contra o pobre do mediador. “Você quer me calar?!”, perguntou ela quando interrompida. “Ah, você quer me proteger?!”, insistiu ela na agressividade depois de ouvir as explicações sensatas do mediador. Realmente a dona Lourdes não estava num bom dia. Ou estava no seu dia de Aracy de Almeida.

Democracia não é perfeita

Num primeiro momento, o estilo comicamente autoritário de Lourdes Melo rende boas risadas. Não risadas ótimas nem excelentes, mas boas. Depois, porém, o coração que sussurra sensatez à razão se impõe. Há algo de muito errado, de muito perverso com uma democracia que permite a senhorinhas como Lourdes Melo se acreditarem capazes de mudar o mundo. Ou, no mínimo, o Piauí.

E, no entanto, essa ilusão está na base dos regimes democráticos, nos quais qualquer pessoa, inclusive a ex-professora e ex-sindicalista piauiense, mas também um ex-presidiário um ex-palhaço, pode tentar se eleger e, assim, mudar a porção do mundo sob jurisdição de seu cargo. Correndo atrás dessa cenoura, muita gente dedica a vida a alcançar o poder da caneta mágica. Como se mudar as condições de vida num lugar como o Piauí fosse uma questão de vontade política – chavão que anda desaparecido do debate público, mas que explica boa parte da nossa desgraça.

Essa é só uma das deficiências da democracia – essa mesma que as autoridades "democraticamente" não nos permitem questionar. Digo, você e eu até podemos questionar, desde que usemos argumentos inócuos e palavras doces. Sem esquecer os pronomes de tratamento que terminam em “íssimo”. A representatividade, o valor igualitário do voto numa sociedade com interesses tão diferentes e a ameaça de uma caquistocracia são outras deficiências que me ocorrem assim, de supetão.

Quando essas e outras deficiências são apontadas por alguém com menos juízo do que eu, logo aparecem autoridades e especialistas para dizer que não, veja bem, a democracia é a pior forma de governo, à exceção de todas as outras, etc. e tal. E tendo a concordar. Difícil de engolir é a arrogância de quem diz que a democracia é perfeita. Só porque – surpresa! – essa democracia que está aí serve bem aos interesses de certa casta que não vê problema algum em trocar dois ou três princípios por um privilegiozinho à toa.

Fato é que, depois de várias reformas políticas e mudanças mais e menos sutis na estrutura do Estado, o que a democracia nos legou foi esse Brasil que temos hoje e com o qual apenas uma casta está satisfeita. Tão satisfeita que bate no peito para dizer: a democracia é minha e ninguém tasca! Como escrevi lá em cima, num momento raro e modesto de semigenialidade e parafraseando o grande e gordo G. K. Chesterton, “quem ignora os problemas da democracia merece as soluções da ditadura”. Ou as soluções de qualquer outro regime autoritário (ou pelo menos não-democrático) que, mesmo não sendo, se diga capaz de proteger a sociedade da liderança dos despreparados e mal-intencionados.

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