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urna
| Foto: Antonio Augusto/Ascom/TSE

A série de pesquisas presidenciais publicadas recentemente, na esteira do pleito municipal que se encerrou, traz cenário bastante complexo e por si só aterrador. Lideradas pelo atual presidente, Bolsonaro, as pesquisas apresentam um mix de candidatos embolados entre os 3% a 15%, que vai de João Dória a Luciano Huck, passando por Boulos, Haddad, Ciro, Moro e Amoedo.

Trato o tema com adjetivos tão dramáticos posto que o que nos reserva será a ressaca moral não apenas da contenda de 2018, mas de todo processo histórico que se iniciou em 2013, teve seu auge em 2016 e desembocou nas urnas dois anos depois. Será a eleição dos sonhos perdidos, consolidando o clima de desesperança que tomou conta das urnas neste estranho 2020.

Explico: a carga emocional da luta contra o PT, das diversas fases da operação Lava-Jato, da conversão da política em entretenimento, da miríade de influenciadores que surgiu e se estabeleceu, das famílias que se separaram — em suma, das dores da polarização — cobrou um preço muito caro. Expectativas muito altas foram geradas não apenas na queda do partido dos trabalhadores, mas também no governo que tomou posse em 2019 representando os anseios de uma classe média alijada do poder desde 2003.

Sei que temos muitos fãs de Bolsonaro dentre os leitores da Gazeta, mas mesmos estes encontrarão dificuldades em justificar o sucesso do presidente em levar à frente os anseios daqueles que participaram de tão traumático processo histórico. Pois se o prometido nas jornadas de 14 a 18 foi luta implacável contra a corrupção; o crescimento econômico baseado em reformas liberais; enfrentamento ao aparelhamento de esquerda nas instituições; recuperação da credibilidade internacional; e fim das velhas formas de cooptação política, o que tivemos, nestes dois anos, não pode ser chamado de nada além de fracasso — ou traição, para os mais passionais.

Bolsonaro jogou no lixo e tirou onda da plataforma política que o elegeu. Perdeu legitimidade perante seus eleitores e só mantém algum impacto narrativo nas classes médias defendendo medidas bizarras no combate (combate?) ao COVID-19. Nos últimos meses, subsistiu com teorias conspiratórias sobre a vacina chinesa enquanto seu filho, Eduardo, tomava pito internacional do corpo diplomático de nosso maior parceiro comercial. E usou e abusou de influenciadores de aluguel, papagaios de pirata que defendem o indefensável em nome de seu quinhão de likes e seguidores.

Entretanto, trata-se apenas de medida paliativa; não é mais nesse público que reside sua esperança. O presidente torce para manter, em 2022, o eleitorado que cativou (leia-se comprou) à base de muito auxílio emergencial e déficit orçamentário. É o que já dissecamos nesta coluna aqui na Gazeta, meses atrás: Bolsonaro trocou de pele, mudou de turma. Abraçou Lyra e Kássio Nunes e mandou uma banana para seus antigos eleitores. Repito, portanto, o que já disse anteriormente: quem permanece com ele, o faz por exercício de afeto ou profissão de fé. Não há caminho racional para sua defesa.

O fiasco Bolsonaro, refletido na desilusão nas urnas de 2020, não serviu de alento para a oposição à esquerda, com exceção do PSOL. Turbinou, a bem da verdade, aquilo que chamamos de “velha política”, ou centro fisiológico. Houve um crescimento do discurso progressista nas capitais, mas, acima de tudo, destacou-se a migração dos votos anti-petistas para alternativas tradicionais e ditas “responsáveis” — recheadas de dinheiro público, tempo de TV e os já famosos conchavos partidários. Em termos reais, os representantes deste segmento largam na frente para 22.

Aí, porém, reside seu problema: seriam eles capazes de atender aos anseios — oferecer esperança, mesmo — para o eleitorado médio frustrado com Bolsonaro? Creio, à primeira vista, que não — e as pesquisas mostram isso. Dória patina, e sua viagem desastrada para Miami confirma o problema; e Huck, sonho de verão de DEM, PSDB e PSD, comunica-se melhor com mais velhos, mais pobres e menos escolarizados, público alvo de Bolsonaro e suas bolsas — e também do PT, derrotado maior nessa nova configuração.

Os grandes marketeiros políticos, mercadores de ilusão, já operam suas teses: imaginam que poderão oferecer esperança de dias melhores para as classes menos abastadas, compensando a torta de climão nos setores mais ricos e escolarizados. Sabem que Bolsonaro não poderá contar com a militância destes últimos, e sem Lyra ( e consequentemente sem auxílio-emergencial) não poderá contar também com o voto dos primeiros. Esperam, nesta falha, dar seu pulo do gato: imaginam que os votos de opinião virão até o centro por osmose — tal qual em 2020 — enquanto capturam os anseios mais viscerais dos eleitores populares.

Não é aposta fácil, até por que o adversário é Bolsonaro e este tem a máquina. O presidente saberá prever os movimentos de seus adversários, e antecipará a campanha para desgastar os nomes aventados. Já o fez com Moro, ainda o faz com Dória. Até por isso, Huck opera abaixo dos radares, e mesmo a esquerda ainda não escolheu seu nome. Bolsonaro não esconde de ninguém que quer Lula — simulando assim uma polarização que se apaga —, mas provavelmente terá outro nome. E Ciro Gomes, desgastado, tem mais a se preocupar com Boulos do que imaginar uma coalizão progressista ao redor do seu nome.

Para todos os lados que olhamos, as alternativas apresentadas não empolgam ou desenham um novo caminho. E o eleitor acostumado a ditar tendências, responsável pela rebelião dos últimos anos, parece sorumbático e magoado — incapaz de reagir diante da epopéia bufa do último biênio. Sem ele, voltam ao picadeiro as peças de marketing, os jingles superfaturados e os atores de sempre — justamente aqueles dados como mortos em 2018.

A eleição de 2022 não será bonita. E o que vem antes dela — a começar pela compra de apoio para a próxima presidência da Câmara — servirá de prenúncio fúnebre para a apoteose do desespero que nos aguarda.

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