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Ainda há chances de vencer Lula?
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Minha última coluna não foi exatamente celebrada por aqui. Tratei do óbvio favoritismo de Lula, do desastre do governo Bolsonaro e da inoperância da terceira via. Fui chamado de comunista, maconheiro e praticante de algumas modalidades um tanto exóticas da homossexualidade, no que discordei respeitosamente. O dissenso faz parte, e os bolsonaristas, como bons democratas que são, sabem exercitá-lo com galhardia.

Entendo, entretanto, que o contexto atual não é exatamente alvissareiro. As prévias e pesquisas desabrocham o medo e a esperança nos coraçõezinhos dos brasileiros, motivando reações por vezes exageradas. Ainda mais quando o ex-presidente Lula cresce a cada pesquisa prometendo picanha e cerveja ao eleitor — no seu Make Brazil Great Again bastante particular —, e Bolsonaro apresenta uma turbulenta queda, puxada pela crise econômica.

A última pesquisa do Datafolha, realizada entre os dias 13 e 16/12, mostra os efeitos dessa disputa. E o cenário é alarmante. Se a disputa fosse hoje, no dia desta coluna, o petista levaria o primeiro turno com 48% (quase 60% dos votos válidos), confirmando a saga do “grande mártir” que saiu do presídio, enterrou o juiz que o prendeu e voltou à presidência. Bolsonaro — outrora mito — apresenta 22%; Moro vem com 9%, Ciro 7% e os demais (quem é esse tal de José Dória?) se arrastam no barranco das miudezas.

Se a situação de Bolsonaro é difícil, há muito o que aperfeiçoar na empreitada da terceira via nos próximos meses. Dizer que o Juiz Moro precisa melhorar sua comunicação soa até besta; é mandatório que o paranaense revolucione a forma como se expressa na frente das câmeras. A lógica mediada das suas aparições públicas, sempre conduzidas por um jornalista sério, conversando sobre coisas sérias num programa sério, não o humaniza; afasta ele do eleitor, a bem da verdade.

A real, amigos, é que há um cansaço geral no espírito do brasileiro. Estamos nas ruas desde 2013, combatendo monstros abstratos como a corrupção, o sistema, a esquerda e a direita. Heróis foram derrubados, mitos foram erguidos. Em meio a uma década de guerras, a vida material dos brasileiros, o arrozfeijãoepicanha das propagandas políticas, raleou; a gasolina subiu, o emprego sumiu, as expectativas baixaram. Há um clima de desamparo no ar. É aqui que o lulismo subsiste.

Por mais que se considere povo, o bolsonarista, antes de tudo, é homem de classe média. As sondagens demonstram que seu apoio cresce quando a renda é maior; ultrapassa os 30% dentre os mais ricos e entre empresários. Suas lutas, no fim do dia, são causas de gente que trabalha, mas que sente com menor intensidade os efeitos da crise. Ninguém pragueja contra o STF de barriga vazia. Voto impresso, então, é como carne: só rico sabe o que é.

É nesse descompasso entre debate público e demandas públicas que surge o assombro: de onde esse Lula tirou tanto voto? Bolsonaro obteve pistas quando surfou a popularidade do auxílio-emergencial. Viciou na causa, a ponto de fazê-la ideia fixa. Seu governo, ao fim do dia, é aliança com centrão pra distribuir dinheiro que não existe.

Seu discurso, entretanto, continua preso nas abstrações — assim como seus supostos “resultados positivos”. E de cloroquina em cloroquina, as grandes discussões nacionais tiram o pé da realidade fática e se tornam piadas de salão. O homem comum, celebrado pelos prosélitos do bolsonarismo, está se lixando para as lutas do presidente. Quer qualquer coisa que abasteça seu carro e sua despensa. 

Entendo o leitor que expressa sua luta contra o “passaporte da vacina” (experimental?) e outras pautas consagradas pela jovem pan. Discordo, respeitosamente, até por ter tomado a danada e recomendado para conhecidos e parentes. Acontece. O problema, amigos, é que nada disso importa num momento em que Lula caminha a passos largos para enfiar uma goleada humilhante no anti-petismo (com ou sem vacina, lembremos), num dos plot-twists mais improváveis da história da política brasileira.  

Bolsonaro, teimoso e obtuso, manterá sua política de espetáculo e recessão até as eleições. Com ele, a derrota é certa, não importa a neutralidade do pronome ou a eficácia do imunizante. Uma derrota patriótica, cheia de cartazes impronunciáveis e memes pixelizados. Fora dele, não há garantia de nada; o cenário não é muito melhor para a terceira via.

Há, porém, uma chance — remota, ainda, mas carregada de uma esperança quase vã — de que certo eleitor silencioso, ainda desinteressado, ressurja da tumba em que foi guardado desde o pleito de 2018. É nele que podemos pavimentar um novo caminho — o único caminho — para livrar o país de uma vitória praticamente certa do ex-presidiário do PT.

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