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Autópsia de um presidente
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O corpo político que jaz, inerte, no Palácio do Planalto, não é um corpo qualquer. É um corpo com histórico de atleta, alguns diriam, o que justificaria ter passado incólume — uma tosse aqui, outra ali — diante do flagelo do coronavírus. Perguntei para um médico legista sobre a causa mortis; li documentos inadequados de Badan Palhares que não serviam mais para ocasião. O féretro balançava, mas já não havia mais esperança. Haverá velório em meio à pandemia?

O presidente morreu. O luto se faz sentido nas Lojas da Havan, nos traders da Faria Lima e nas carreatas cada vez menores de idosos à procura de ação. Não que a revolução olavista tenha fim com seu falecimento. A terra continua esférica e os fetos permanecem adoçante, motivo suficiente para que a tropa ainda tenha um horizonte de lutas. Seu líder, porém, não poderá acompanhá-los nas batalhas vindouras. Descansa junto a Enéas no panteão dos heróis nacionais.

Dissecar Bolsonaro é tarefa hercúlea. Como entender um presidente que optou por palpitar ao invés de governar, um youtuber de si próprio, servindo de governo e oposição de acordo com as circunstâncias? Um homem que sabotava seus principais ministros, mas que gostava de ostentá-los como estandartes em meio aos campos de batalha. De Guedes, queria apenas a flâmula dos postos Ipiranga; de Moro, o pavilhão da Lava Jato. Não que apoiasse reformas estruturantes ou enfrentasse a corrupção… isso aí já é outra coisa! Dá trabalho, e trabalho só é bom quando reelege presidente.

Bolsonaro não quer ações materiais, resultados, números, nada disso. Ele quer historinha pra contar. Quer meme. “Farmeme!”  — foi assim que seu filho resumiu seu pensamento político em congresso conservador com grandes…fazedores de meme. Havia também um Príncipe — de outra família real — e um Marquês (de rabicó). Do meme viemos, ao meme voltaremos. Gênesis 3:19, livro da Nova Era.

A perda de Sérgio Moro, alegada pelo povo como razão para seu óbito, pode bem ser relativizada. O presidente perdeu a vida no detalhe — no medo de que o meme se fizesse carne, e da carne se conhecesse o homem. Não poderia haver eucaristia do nosso Messias; tentei o culto, mas só vi notícia falsa.

Há muita coisa pra se descobrir no homem Jair. Morreu um pouco ao entregar-se em acordo com as “hienas" do STF para preservar Flávio; morreu ainda mais a cada surto desesperado de seu filho Carlos, espécie de hierofante louco das redes sociais. Seu amor pelo Brasil era tamanho que fez do país cordeiro para imolar em nome dos filhos. Salva-se a família, vai-se o governo. A crise tem que continuar. País sem crise não dá like.

Seus principais homens continuam de pé, encarando o inimigo com a altivez que lhes é cabida. Há tantas lutas — Greta, Janaína, Vera, mulheres perversas, inimigas da alma! Há Maia, Globo e  Witzel — olho aberto para o Rio de Janeiro. A terra do presidente é lugar perigoso, até o biscoito é globalista. Faz sentido que Carlos e Flávio nunca tenham perdido tempo com sítio tão insidioso; sem milícias, só com estado de sítio. A pê-éfe precisa cuidar disso aí. Muda o tal superintendente, decerto é do Doria. Ou não. Mas vai que seja, certo?

Teremos eleições esse ano. Nossos heróis carregarão o corpo de Jair atado a seu cavalo — sempre brigador, como em vida e meme. É El Mito, o campeador, sorte de El Cid da Barra da Tijuca (e ramificações pelos subúrbios cariocas). Não sabemos se garantirá a vitória de seus guerreiros, mas pesquisei nas redes e imagino que rende uma bela de uma foto-montagem. Tente encaixar Jair num cavalo, Jesus no céu e mouros assustados em desabalada carreira. Eu tentei aqui e deu certo. Encaixando direitinho, vai voar no whatsapp.

El-Mito, morto, não deve eleger muita gente, e é capaz de servir de mote do que não se fazer pelos candidatos a prefeito país afora. Natural — sempre esquecemos (ou zombamos) de nossos heróis. Olho na Bandeira do Brasil chora, e com razão; a corrupção tá aí e ninguém faz nada! Jair tentou — trouxe ela pra perto, para que pudesse vigiar as raposas de dentro do seu governo. Mantenha seus amigos por perto, mas seus inimigos mais perto ainda. O homem é sagaz, reconheço, e não serei eu a entender as nuances de suas manobras. Jair escreve torto por linhas certas: não há prosa em seu livro sagrado, e ele será recitado pois se fez verbo antes de ser meme.

O exército dispara salvas de canhão; é festim, mas parece real. Não dá pra dormir com o barulho, mas a gente espera que fique tudo bem. É melhor confiar nos homens do botão dourado — Ratinho já dizia — mas às vezes eles passam do ponto. Não mataram ninguém — só Paulo Guedes, enterrado de meia em rede nacional. Pelo que vi, virou meme. Sinal de prestígio.

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