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E achavam que era Bolsolula, ein…
E achavam que era Bolsolula, ein…| Foto:

Estamos no momento em que a justiça social no Brasil prevalece. Prova disso é a recente declaração do ministro da economia, Paulo Guedes, que expõe todo o seu fino senso de prioridades. Paulo Guedes, afinal, anda preocupado com o salário do funcionalismo público. Mas não, não é simplesmente que ele quer congelar os reajustes do funcionalismo ou mesmo operar uma reforma administrativa austera. Sua última declaração aponta outro urgente problema para além desses objetivos comezinhos, que o governo nunca consegue atingir pois não tem força política para tanto.

Segundo o ministro, juízes do STF e do TCU ganham muito pouco. Auferindo a módica soma de R$ 39.000,0 e mais uns penduricalhos, os ministros do STF decerto formam um estamento depauperado, premido pela crise financeira e pela alta do dólar. Talvez por isso precisem cear vinhos caros e lagostas com o dinheiro público, pois lhes falta a remuneração para se darem esses pequenos luxos comuns à vida de todo brasileiro. Há quem diga até - horribile dictu! - que ministros do STF e do TCU, por falta de dinheiro, tem evitado viajar para a Disney com suas famílias. Preferem deixar esse luxo para as domésticas, que, como se sabe, já andam um pouco entediadas de tanto passearem ao lado do Pluto e do Pateta.

Deixando de lado as preocupações urgentes do nosso ministro, já começa a nos acossar outro problema, certamente menos relevante que a baixa remuneração do topo do Judiciário: a inflação de preços nas mercadorias.

A inflação de preços dos alimentos subiu consideravelmente mais que o índice do IPCA, respectivamente 8,83% e 2,44% na avaliação dos últimos 12 meses. Individualmente, arroz e óleo de soja atingiram recordes: 19,2% e 18,6% de subida. Ao que tudo indica, a alta decorre da ação da oferta e da demanda. A subida do dólar estimulou os produtores a escoar a produção para o mercado externo. Com a redução da oferta de alimentos, eles encareceram. O auxílio emergencial veio a se somar a esse cenário como a cereja do bolo: com mais dinheiro circulando na mão do povo e menor oferta, a demanda também aumenta e os preços se elevam.

Economicamente, o cenário está longe de ser de inflação descontrolada, mas impõe alguns riscos políticos para Bolsonaro. Estamos, a bem de uma avaliação realista, em um momento de transição. É quando começam a surgir os primeiros efeitos de uma possível crise futura, o que passamos a analisar agora.

Em primeiro lugar, a inflação de preços pode ser transitória, mas estamos saindo de uma pandemia com estimativas de queda acentuada no PIB. Os desdobramentos políticos desse cenário são bastante interessantes. O primeiro deles é a insatisfação popular presumivelmente a ser gerada quando o auxílio emergencial for reduzido.

Além disso, apesar do auxílio emergencial alavancar a popularidade do presidente, a inflação nos alimentos sempre foi causa tradicional de insatisfação. O motivo é fácil de perceber. Como o povo ganha muito menos que a classe média, o repertório de bens que ele compra é mais limitado, concentrando-se em alimentos e itens básicos de subsistência. Assim, se a inflação geral é controlada, mas o preço dos alimentos sobe, a percepção popular é a de que há uma inflação alta. O corte subjetivo é importante.

Nesse sentido, nota-se o desespero de Bolsonaro em emular José Sarney para multar comerciantes que pratiquem “preços abusivos” nos produtos básicos. Fala-se hoje em “margem de lucro patriótica”; amanhã falaremos em “confisco popular”. Impressiona a similaridade com outros fiascos retumbantes do passado recente latino-americano.

O auxílio emergencial, cuja quinta parcela será debitada hoje, também sofrerá uma mudança significativa. O valor básico será reduzido pela metade e os critérios de obtenção se tornarão mais duros. Assim, temos na economia brasileira o seguinte movimento: inflação nos itens da cesta básica concomitante à mudança nos critérios do auxílio emergencial para reduzi-lo, limitar seu acesso e operar a transição para um Programa Renda Brasil cujo desenho é incerto e cuja viabilidade orçamentária é discutível.

O paradoxo de Bolsonaro é que ele é um presidente em mutação. Aqueles que o comparam a Lula, neste sentido, analisam a situação de forma muito simplista, concatenando similitudes e diferenças de discurso, geralmente no perfil geral do populista. É quase um destilado de tipo ideal weberiano. Entretanto, por trás da noção geral de um tipo há tudo o que concretiza o tipo. E aí as diferenças aparecem claramente.

Há poucos meses atrás, Bolsonaro era um presidente com popularidade dissolvente, impasses políticos dolorosos lhe agastavam, e as suas polêmicas e escândalos eram alvo de críticas generalizadas e recorrentes das classes falantes. A estabilidade, política e de popularidade, construída por Bolsonaro é incipiente. Portanto, qualquer comparação que se faça entre ele e um presidente populista que atingiu 70% de aprovação no auge deve ser vista cum grano salis.

O que chama atenção neste momento do governo é, como sublinhamos, seu caráter de transição. Há uma transição em curso, da qual não se pode saber a priori qual o resultado. Mas dificilmente a popularidade crescente do presidente não será afetada pela redução do auxílio e pela inflação de preços. Quando isso aconteceu, aí veremos a estamina de Bolsonaro. Até lá, Paulo Guedes pode ajudar a imagem do governo deplorando o salário de fome dos ministros do STF.

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