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Jair Bolsonaro
Presidente Jair Bolsonaro| Foto: Isac Nóbrega/Palácio do Planalto

O silêncio de Jair Bolsonaro é eloquente, pois é raro. É verdade que já havia o precedente das tergiversações constrangidas na campanha presidencial. O então candidato se omitiu em todas as perguntas sérias que lhe fizeram durante a campanha. Faço a ressalva do adjetivo “sério” porque por muito tempo Bolsonaro jogou fácil no seu próprio campo: a afirmação de valores populares. Sempre que levantavam a bola pra ele chutar, lá estava o Jair solto, brejeiro e tranquilo, o camisa 10 dos chavões conservadores. Mas se alguma questão fugia das perguntas habituais sobre kit gay, polícia e ladrão e sobre o quanto ele era mau e fascista, Bolsonaro se atrapalhava. Reinaldo Azevedo percebeu a fragilidade e fez o questionamento mais “complicado” no debate presidencial: sobre rolagem de dívida e taxa de juros. O candidato travou.

A resposta clássica de Bolsonaro para as perguntas que ele não sabia responder - todas as questões substantivas que apontavam desafios concretos para um gestor - era a transferência de responsabilidade para os ministros. O posto Ipiranga iria resolver a questão da economia. Na saúde, teríamos um ministro técnico. E na educação? Um técnico que aliaria à sua formação uma visão de mundo conservadora, cristã.

O resultado: ao posto Ipiranga faltou gasolina - nenhuma reforma foi aprovada, nenhuma privatização saiu do papel. Na saúde, tivemos dois ministros que caíram, na educação contam-se três (até agora). Por baixo desse caos, uma constante: o caráter errático, confuso da ação desses três ministérios - e não que estes sejam os únicos ministérios com problemas, mas temos um limite de espaço na coluna para descrever exemplos de fracasso em um governo fracassado.

Mestre em responsabilizar os outros, Bolsonaro e sua malta de apoiadores fanáticos continua a fazê-lo sem pudor. Ora é o centrão, ora é Rodrigo Maia e o establishment, ora são esses moleques do MBL e outros “oportunistas” ansiosos para prejudicar o governo que vai muito, muito bem. Quem acha o contrário é CO-MU-NIS-TA.

Agora chegamos a uma nova fase do governo: a fase do silêncio. O cercadinho em que Bolsonaro dava suas “traulitadas” na imprensa já não tem a mesma função. O presidente se recolhe em silêncio. O motivo do recuo é duplo. Por um lado, Bolsonaro está trocando de pele. É um presidente em vias de mudar a base do seu apoio eleitoral, transferindo-o para o voto popular os votos que ele perdeu na classe média. Ou, pelo menos, é o que ele deseja.

Por outro lado, Bolsonaro já percebeu que seu enfrentamento com a imprensa não funciona como funcionava durante campanha. Demorou pra perceber, já que o mito do herói contra as forças do poder, amplamente apoiado pelo POVO!! (em caixa alta e com várias exclamações patrióticas) chegou a iludi-lo. Ele achava que na queda de braço com a Folha de São Paulo e a Globo - suas duas maiores inimigas na imprensa - ele se sairia bem como se saiu antes. Só houve um problema de percurso que atrapalhou o plano: ele, hoje, governa. E não há como esconder 70 mil mortos, a ausência de projeto de educação e a economia estagnada desde antes da pandemia.

Tal mudança passa por dois fatores, ambos instáveis, apresentando um equilíbrio delicado e incerto: a cooptação do centrão, através das nomeações de alguns de seus líderes para cargos importantes no governo. O chamado toma lá, dá cá. A denúncia do Major Olímpio (PSL-SP) aponta o uso das emendas parlamentares para comprar apoio. Ele denuncia que foram oferecidos R$ 30 milhões em emendas impositivas para os parlamentares que se alinhassem com o governo.

Nas estatais, ocorre fenômeno similar. A nomeação de políticos do centrão às diretorias do FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação) por indicação do PL e Dnocs (Departamento Nacional de Obras contra a Seca) por indicação de Arthur Lira do PP, dois dos órgãos mais ricos da administração pública, é sintomática.

O segundo fator também envolve orçamento. É o uso do Fundeb, pois será uma das fontes de recursos que ele precisa para costurar o Programa Renda Brasil, basicamente uma ampliação eleitoreira do Bolsa Família, que se aproveita do auxílio emergencial outorgado em função da pandemia. O plano de Guedes é usar os 20% de recurso adicional do Fundeb para fechar as contas do Renda Brasil. Se a estratégia for bem sucedida, Bolsonaro pode começar a realmente trocar de público.

Com o silêncio de Jair, as crônicas do seu destempero verbal devem se reduzir. Há uma chance de estabilidade “narrativa”, por assim dizer - provisória, e é claro, construída através do estelionato eleitoral. Mas sendo da natureza do bolsonarismo o caos, é muito difícil que esta estabilização não seja temporária e que o presidente não seja pressionado a voltar à sua loquacidade imbecil de costume, só que, desta vez, pressionado pelos seus apoiadores. Ainda assim, o silêncio nos oferece uma oportunidade preciosa.

Bolsonaro vai passar. Os problemas do Brasil, não. É, portanto, entre percalços e incertezas, que no silêncio presidencial todo mundo vai ter de voltar à lição de casa, que se resumiu para sempre naquela velha pergunta leninista a apontar um programa possível: Que Fazer?

Que fazer? Que fazer depois de Bolsonaro, ao redor de Bolsonaro, além dele. Responder a isso - eis o começo e o fim de nossa tarefa.

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