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O triste fim do Imposto Ipiranga
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“O grupo de empresários dos mais diversos setores se aconchegava na sala de reuniões do Ministério da Economia. Ansiosos, aguardavam por respostas. “Que história é essa de taxar dividendos?”, dizia um deles, enquanto recebia uma xícara do café de qualidade mediana servido no planalto. Era sexta-feira, e Paulo Guedes, ministro da pasta, apareceu exasperado trazendo consigo o pacote de notícias. “Este era o único projeto que tínhamos em mãos”, afirmou. “Vamos colocar pra votar. Ou fazemos isso ou o presidente será chamado apenas de assassino às vésperas das eleições”.

Os empresários se entreolhavam mesclando absurdo com fascinação. Nem Guido Mantega, em seus tempos áureos, foi capaz de propor uma taxação tão descarada, sem ressalvas nem palavras mansas, discursando para grande parte do PIB brasileiro. Mais: petista algum justificou sobretaxação com financiamento de políticas sociais com fins eleitorais. Guedes o fez, com ares de estrategista. Se colocava ali mais como marketeiro do que ministro. 

Os empresários, assustados, saíram da reunião como que abandonados. O ministro que jurara ser seu representante era apenas um fanfarrão. Foi-se o “Guedes das reformas”, veio o Guedes do populismo. Nada mais poderiam fazer em nome deste governo”.

As cenas que descrevi agora não são exercício de ficção. Para desespero dos fãs mais entusiasmados do presidente, são a realidade relatada por empresários presentes ao encontro, que de fato aconteceu na última sexta-feira e serviu de pá de cal na já desgastada relação entre Paulo Guedes e aqueles que o ministro julgava representar.

Já nesta segunda-feira, o empresário Flávio Rocha, presidente do grupo Riachuelo, externou em suas redes seu desconforto. O varejista criticou a proposta de “reforma tributária” proposta por Paulo Guedes, e trabalha ativamente para impedir seu avanço. Setores dos mais diversos — da FIESP que trocou Skaf pelo lulista Josué Gomes, até o Agro organizado — preparam suas ofensivas contra a reforma, e até mesmo a fortaleza de peleguismo guedista conhecida como Faria Lima virou seus canhões contra o ministro.

As baixas mais sentidas, entretanto, se dão em outro campo. A taxação guedista foi tratada como a “gota d’àgua” por parte do grupo de influenciadores e empresários que comanda o movimento liberal brasileiro, a começar por seus grandes mecenas, Hélio Beltrão do Instituto Mises e Salim Mattar, da Localiza. Com forte influência sobre youtubers, parlamentares e o Partido Novo, o grupo encontrou o argumento possível para uma ruptura com Guedes e Bolsonaro, ainda que isso não signifique, ainda, um endosso ao impeachment. 

A virada de chave motivou a adesão de parcela dos parlamentares do Novo ao impeachment de Bolsonaro. A principal razão, além do desgaste natural do presidente, é que a pressão exercida por players de mercado pelo apoio ao governo diminuiu. Resta a base de eleitores, ainda marcada por forte bolsonarismo. Mesmo esta, porém, se encontra em retração; a tendência para 2022 é que tal base migre para candidatos ostensivamente bolsonaristas. 

O impacto deste abandono é significativo. O liberalismo estético de Guedes, recheado de promessas de reformas e privatizações, era um dos poucos pilares que sustentavam algum discurso governista para além do “e o PT?”. Dos colunistas a soldo de Secom aos traders vendedores de ilusão, a justificativa era sempre a mesma: “Guedes vai reformar, a economia vai crescer”. O culto é sempre conjugado no futuro. Vazio de realizações, a defesa de Guedes se fez profissão de fé. Até por isso erguem estátuas em seu nome pela Faria Lima

A debandada empresarial é acompanhada de uma constatação incômoda: o ministro da Economia, tratado como super-herói do liberalismo, simplesmente não entregou resultados ao longo destes quase 3 anos. Toda e qualquer comparação com outros ministros reformistas, especialmente nos governos Temer, Fernando Henrique e Itamar, torna-se incômoda. Sua grande vedete, a reforma da previdência, pouco tem de mérito do atual governo. É, antes de tudo, construção política da gestão anterior, praticamente selada nos estertores do mandato de Temer. 

Quando tentou impor sua marca, Guedes fracassou. Nada de reformas ou privatizações. Suas eternas prorrogações das vendas de empresas estatais se tornaram memes nas redes sociais. “Daqui três meses venderemos a Eletrobrás”, dizia ele em 2019. Esta, na prática, ele vendeu — para o centrão —, num escandaloso processo político que vai encarecer as contas de luz e tornar o setor ainda menos propício para investimentos privados. Foi a anti-privatização do liberal de Taubaté.

Outro processo ainda mais perverso liderado pelo ministro foi a deterioração crescente da imagem do empresariado brasileiro, convertido de vez no vilão insensível da caricatura infantil construída pela esquerda. Das previsões ridículas do ministro sobre a COVID (“resolveremos isso com 5 bilhões”), até as hipóteses do “crescimento em V”, a participação de Paulo Guedes foi no mínimo desajeitada. E serviu, acima de tudo, para motivar certa classe de grandes empresários, insensíveis com o drama dos próprios conterrâneos, que viram na crise a oportunidade para ganhar dinheiro com teses absurdas e financiar manifestações golpistas. O cinismo de Luciano Hang e o sorrisinho mortal de Carlos Wizard foram apenas o topo do iceberg; ainda descobriremos as negociatas envolvendo vacinas e os empresários patrióticos de Bolsonaro.

A fórmula do desastre é coroada pela queda de PIB maior que a média mundial, a forte alta de preços — em especial da energia elétrica, gás e combustíveis — e o empobrecimento das famílias, mesmo diante de uma recuperação comemorada como vitória. Guedes, na prática, não entrega o que prometeu a Bolsonaro, e vê sua cabeça a prêmio caso não faça as vontades do presidente. Até as emas do Planalto sabem o que o presidente quer: injeção de dinheiro nas famílias mais pobres através de um bolsa família turbinado, espécie de “bala de prata” que lhe garanta alguma chance nas eleições. Apaixonado pelo poder, Guedes entregou. Nem que estoure o teto.

O fim da credibilidade do ministro leva a roldão a impressionante saga de crescimento do pensamento econômico liberal ao longo das últimas décadas. Seu fracasso traz consigo institutos, lideranças e teses que se fizeram importantes e deram o tom do debate nacional acerca da matéria. Os responsáveis pelo fiasco, porém, não tem do que reclamar: só toparam abandonar o barco do ministro quando este propôs taxar seus rendimentos. Muito pouco patriótico pra quem enxergava suas ideias como expressão natural da prosperidade nacional. Agora, amigos, Inês é morta. E não adianta chorar se Inês morreu de imposto, e não de COVID….

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