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Uma criança no Oscar
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Crianças gostam de mentir. Faz parte do desenvolvimento próprio da imaginação, enquanto exercício criativo. Os pais fingem acreditar, aplaudem, participam. Quem nunca fantasiou aventuras na escola? Escondeu o resultado de uma prova? Ser criança é também se alienar da realidade. É fofo.

Petra Costa fala como criança. Sua franja, similar ao do personagem de Jim Carrey em "Debi e Loide", me parece coisa de criança. Sua entrevista à TV americana — culpabilizando um bebê demônio pela eleição de Bolsonaro — soou coisa de criança. O entrevistador, elegantemente atônito, percebeu estar … diante de uma criança.

E como criança, Petra mentiu. Inventou. Levou ao mundo seu mundo particular — seu Brasil particular —, algo ilusório , onde sua mãe, acionista de uma empresa fraudulenta, é na verdade uma defensora da democracia. E vejam mortais, a bilionária família de Petra está aqui para defender a democracia, e não serei eu, pobre paulistano, a questionar sua vertigem. Vertigem de gente rica se resolve no Oscar. Com menu vegano -- mas sem abdicar do salmão e do caviar.

A mãe de Petra deve estar orgulhosa. Jornalistas de esquerda também estão. Eles não tem empreiteira, mas compraram a empreitada. Vão defender a cineasta contra o monstro do fascismo, bastante que o fascista saque a realidade do bolso como carta de baralho. Pedro Bial pediu truco. Virou fascista, ainda que sua carta seja o Coringa. E Coringa, para Petra, é colega de Oscar. Colega de vertigem.

O Arthur Fleck de Joaquin Phoenix também tinha problemas não resolvidos com sua mãe. Distorcia o quotidiano, retorcia sua personalidade. Seu grito de insanidade incendiou uma Gothan fictícia, provocando revolta e um movimento de massas. Era pobre, portanto louco. Fantasiava uma realidade, imaginando que Thomas Wayne, um bilionário, poderia ser seu pai.

Petra seguiu caminho distinto. É rica, portanto sã. Em sua ficção, finge que sua mãe, uma bilionária, poderia na verdade não o ser. Seu sussurro lamurioso não incendiou coisa alguma, mas buscou, ironicamente, apagar um movimento de massas. É um Coringa às avessas, de fala mansa e bossa nova, dado à pilantragem de boa moça. Fraude de botequim, seu filme é construção infantil por se garantir, apenas, na redoma dos seus. Que os demais vistam a máscara de palhaço e se calem! Se você não entendeu — ou discordou — é por detalhe do destino. Não merece espaço na democracia das empreiteiras.

As pessoas gostam de crianças. Mas ninguém gostou da brincadeira de Petra. E no fim, de que importa? O Oscar gostou, porque o Oscar também gosta de brincar. No playground da elite infantilizada, a menina Petra pode brilhar impunemente, sem ninguém que lhe negue o direito de sonhar. São todos heróis de smoking, prontos para denunciar os mesmos fantasmas de Petra Costa. Eles só mudam de endereço. Crianças — e mães — são as mesmas em todos os lugares.

Não haverá torcida por Democracia em Vertigem. Mas para Petra haverá. Em seu mundo particular, estarão todos torcendo os dedos, com lágrimas nos olhos, à espera de uma estatueta que confirme seu delírio. Todos os 200 amigos de empreiteira, de imprensa, de partido. O Brasil que ela levou à tela tem o direito de sonhar. Até porque seus sonhos — ainda — não foram delatados por um operador qualquer. Vertigem de gente rica é outra coisa.

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