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Mulheres que lemos em 2015
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Matilde Campilho teve o livro mais vendido na Flip deste ano e foi amplamente citada nos jornais como musa do evento. Poucos deles publicaram que musa uma ova, que mulher não é enfeite, que bonita é a poesia e que a própria Matilde não gostou do título. Mas, em 2015, as mulheres mostraram na prática os efeitos da boa briga por menos musas e mais escritoras.

Apesar da predominância de homens nas letras (o estudo de Regina Dalcastagné  “Literatura brasileira contemporânea – Um território contestado” mostrou que eles são 72% no Brasil), escritoras levaram os principais prêmios do momento. O Sesc foi de Sheyla Smanioto, pelo romance “Desesterro”, e de Marta Barcellos, pelo livro de contos “Antes que seque”. No Jabuti, Maria Valéria Rezende foi destaque com o romance “Quarenta dias”, e Carol Rodrigues venceu com o livro de contos “Sem vista para o mar”.

Ana Miranda ganhou o Prêmio da Academia Brasileira de Letras com “Semíramis” e o Prêmio Literário da Biblioteca Nacional, foi entregue a Tércia Montenegro, pelo romance “Turismo para cegos” e a Carol Rodrigues também.

Mulheres ocuparam duas das três categorias do Prêmio São Paulo: a de Melhor Autor Estreante com mais de 40 anos foi de Micheliny Verunschk por “Nossa Teresa – Vida e Morte de uma Santa Suicida” e a de Autor Estreante com menos de 40 anos foi de Débora Ferraz, com “Enquanto Deus Não Está Olhando”, vencedor do Prêmio Sesc do ano passado.

Em Curitiba, Luci Collin lançou o romance Nossa Senhora D’Aqui e ainda foi finalista do Prêmio Oceanos com o livro de poesias “Querer Falar”.

No cenário internacional, nossa Clarice Lispector também esteve em evidência. Sua coletânea de contos ‘The complete stories” foi mencionada na lista de melhores livros do ano do “New York Times”. Outra boa nova foi o novo romance de Harper Lee, que 55 anos depois de “To Kill a Mockingbird” (vencedor do Pulitzer), presenteou o mundo com “Go Set a Watchman”.

E o Nobel de Literatura foi entregue à jornalista Svetlana Alexijevich, que, em breve, terá quatro títulos publicados no Brasil pela Companhia das Letras.

Coletivos e grupos de leitura para debater mulheres no cenário literário surgiram no mundo todo. Em Curitiba, o Leia Mulheres, o Marianas e o GLF iniciaram suas atividades e voltarão com ainda mais força em 2016.

Claro, há muito chão pela frente. Um dos problemas que perduram é o fato de que mulheres negras ainda são uma minoria quase invisível dentro de um cenário literário em que o número de escritoras já é menor do que o de escritores.

Mesmo assim, temos motivos para comemorar. E, do alto desse dezembro chuvoso, me deparando com esse vale de notícias boas, resolvi perguntar a algumas mulheres apaixonadas por literatura que outras mulheres elas leram em 2015. As respostas que recebi vão a seguir como dicas para quem quer ajudar a endossar esse movimento tão lindo e ler mulheres em 2016.

Julie Fank
Doutoranda em escrita criativa e fundadora da Escola de Escrita

2015 foi um ano incrível para as mulheres que escrevem. Eu, leitora, descobri a literatura curitibana. Li e reli a subversiva e sabe-deus-por-que-desconhecida-fora-daqui Luci Collin e conheci a aguda Assionara Souza. Dos pampas, fiquei feliz com a sensibilidade da viajante Sara, personagem-narradora do romance de estreia da gaúcha Julia Dantas, uma construção movediça sobre os escombros que carregamos na mochila ao marcarmos viagens sem volta definida. Na poesia, Matilde Campilho foi motivo de apaixonamento. É uma poesia em prosa que arrebata corações distraídos, quase um giz pastel oleoso que, quando parece que vai quebrar, dá as mãos para o próximo verso e deixa as bordas entre uma cor e outra invisíveis.

Emanuela Siqueira
Redatora e mediadora do Leia Mulheres Curitiba

Em 2014 eu descobri que existiam escritoras na chamada Geração Beat e isso simplesmente se tornou uma obsessão particular e acadêmica. Em 2015 finalmente pude ler “Minor Characters: a beat memoir” (Penguin, edição de 1999), da americana Joyce Johnson, em que ela conta todos os pormenores vividos pelas mulheres esquecidas desse grupo. Em uma Nova Iorque efervescente, cheia de luzes e vanguardas, essas garotas abandonavam suas casas, desistiam das universidades, da vida de casadas e das tradições para serem escritoras, poetas e rebeldes. Joyce Johnson sustentava Jack Kerouac quando ele finalmente conseguiu publicar “On The Road”, ela está nas fotos mais conhecidas do escritor durante a divulgação da época mas sempre atrás, com um sorriso tímido no canto da boca, mas estava. Em “Minor Characters” ela conta esse momento, das amigas poetas que viviam na sombra dos homens, das que enlouqueceram na condição de serem mulheres, das que hoje – com mais de 80 anos – sobreviveram à época, à crítica e aos homens. É uma pena que o livro ainda não tenha tradução em português, é uma leitura deliciosa que muda toda uma história da vanguarda literária americana dos anos 40 e deixa claro: sempre que houve revolução na História, as mulheres estavam lá e não podemos esquecer e nem esconder isso.

Mariana Sanchez
Jornalista e Tradutora

2015 foi o ano em que mergulhei a fundo na obra de uma das grandes escritoras da atualidade na América Latina, a argentina Selva Almada. Li todos seus livros (2 romances, 3 volumes de contos e 1 crônica jornalística), e foi justamente este último, uma não-ficção, o que mais me impressionou. “Chicas Muertas” é um relato em primeira pessoa sobre três casos de feminicídio ocorridos na Argentina durante os anos 80, até hoje sem solução. Assim como no Brasil, a violência de gênero é uma dura realidade no país vizinho, onde uma mulher é assassinada a cada meia hora. Daí a importância de se escrever sobre isso – especialmente quando se faz com força e qualidade narrativa.

Em 2015, outro livro maravilhoso que caiu nas minhas mãos foi “Distancia de Rescate”, primeiro romance da contista argentina Samanta Schweblin. A trama é narrada em duas vozes e costura temas complexos, que vão dos perigos dos agrotóxicos à transmutação de almas, tendo como fio condutor a relação entre mães e filhos. É um livro sobre amor e sobre medo, extremamente atual e bastante bem escrito. Espero que não demore muito para chegar aos leitores brasileiros.

Maria Lorenci
Poeta e membro do Coletivo Marianas

Em 2015, foi difícil escolher. Continuo amando loucamente o texto místico/profano da Andréia Carvalho Gavita, bem como a poesia concreta da Samantha Beduschi Santana. Continuo achando que Bárbara Lia de vez em quando escuta a minha alma. Continuo fazendo salamaleques á linda poesia devocional da Albertina Laufer. E acrescentei três admirações quase-sem-fôlego: Vera Albuquerque, Zoe de Camaris e a amiga, irmã e gurua Rosa Maria Mano. Não tenho escolha, a não ser não escolher. E mesmo assim acabei por deixar fora Mari, Jandira, Marilena, Elciana, Desi, Giovana, Elieder, tantas… Tem tanta mulher produzindo poesia e prosa maravilhosa nessa Curitiba!

Lubi Prates
Editora, poeta e mediadora do Leia Mulheres Curitiba

O meu livro preferido de 2015 foi “Um teste de resistores”, da Marília Garcia. Nele, a poeta testa a poesia e sua resistência. É possível escutar sua voz falando dos acontecimentos dentro dos poemas ou dialogando sobre a poesia, sobre tradução e métodos de escrita. É um livro que te traz pra perto e isso apaixona.

 

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