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Há fábulas e fábulas. Quem conhece a dos porcos assados? Pois é, embora uma fábula fabulosa, como diria Millôr, esta é pouco conhecida. Refere-se a uma velha história sobre a origem do assado. Um incêndio na floresta. Vale a pena ser lida. E passada adiante, já que os tempos atuais assim o exigem.

Professor Afronsius e Natureza Morta receberam a Fábula dos Porcos Assados, enviada pelo sempre atento e atuante (e amigo) Sergio Ahrens, engenheiro florestal, bacharel em Direito, pesquisador em Planejamento da Produção e Manejo Florestal, Embrapa Florestas, Colombo/PR.

Vamos lá que tem fogueira

Uma das possíveis variações de uma velha história sobre a origem do assado: certa vez ocorreu um incêndio num bosque onde havia alguns porcos. Acabaram assados. Os homens, que até então comiam a carne crua, experimentaram a assada e acharam uma delícia.

A partir daí, toda vez que queriam comer porco assado incendiavam um bosque. O tempo passou – e o sistema de assar porcos continuou basicamente o mesmo.

Mas as coisas nem sempre funcionavam bem: às vezes, os animais ficavam queimados demais ou parcialmente crus. As causas do fracasso do sistema, segundo os especialistas, eram atribuídas à indisciplina dos porcos, que não permaneciam onde deveriam, ou à inconstante natureza do fogo, tão difícil de controlar, ou, ainda, às árvores, excessivamente verdes, ou à umidade da terra ou ao serviço de informações meteorológicas, que não acertava o lugar, o momento e a quantidade das chuvas.

O sistema para assar porcos era muito complexo. Foi montada, então, uma grande estrutura: havia maquinário diversificado, indivíduos dedicados a acender o fogo e especialistas em ventos – os anemotécnicos. Havia um diretor-geral de Assamento e Alimentação Assada, um diretor de Técnicas Ígneas, um administrador-geral de Reflorestamento, uma Comissão de Treinamento Profissional em Porcologia, um Instituto Superior de Cultura e Técnicas Alimentícias e o Bureau Orientador de Reforma Igneooperativas.

Milhares de pessoas trabalhando na preparação dos bosques, que logo seriam incendiados. Havia especialistas estrangeiros estudando a importação das melhores árvores e sementes, fogo mais potente etc. Havia também grandes instalações para manter a salvo os porcos antes do incêndio, além de mecanismos para deixá-los sair apenas no momento oportuno.

Um dia, um incendiador chamado João Bom-Senso resolveu dizer que o problema era fácil de ser resolvido – bastava, primeiramente, matar o porco escolhido, limpando e cortando adequadamente o animal, colocando-o então sobre uma armação metálica sobre brasas, até que o efeito do calor – e não as chamas – assasse a carne.

Tendo sido informado sobre as ideias do funcionário, o diretor-geral de Assamento mandou chamá-lo ao seu gabinete e disse-lhe:

– Tudo o que o senhor propõe está correto, mas não funciona na prática. O que o senhor faria, por exemplo, com os anemotécnicos, caso viéssemos a aplicar a sua teoria? E com os acendedores de diversas especialidades? E os especialistas em sementes? Em árvores importadas? E os desenhistas de instalações para porcos, com suas máquinas purificadoras de ar?

E os conferencistas e estudiosos, que ano após ano têm trabalhado no Programa de Reforma e Melhoramentos? Que faço com eles, se a sua solução resolver tudo? Hein?”

– Não sei – disse João, encabulado.

– O senhor percebe agora que a sua ideia não vem ao encontro daquilo de que necessitamos? O senhor não vê que, se tudo fosse tão simples, nossos especialistas já teriam encontrado a solução há muito tempo? O senhor, certamente, compreende que eu não posso simplesmente convocar os anemotécnicos e dizer-lhes que tudo se resume a utilizar brasinhas, sem chamas? O que o senhor espera que eu faça com os quilômetros de bosques já preparados, cujas árvores não dão frutos e nem têm folhas para dar sombra? E o que fazer com nossos engenheiros em porcopirotecnia? Vamos, diga-me!

– Não sei, senhor.

– Bem, agora que o senhor conhece as dimensões do problema, não saia dizendo por aí que pode resolver tudo. O problema é bem mais sério do que o senhor imagina. Agora, entre nós, devo recomendar-lhe que não insista nessa sua ideia – isso poderia trazer problemas para o senhor no seu cargo.

O coitado do João Bom-Senso não falou mais um “a”. Sem despedir-se, meio atordoado, meio assustado com a sua sensação de estar caminhando de cabeça para baixo, saiu de fininho e ninguém nunca mais o viu.

Já a destruição das matas e florestas continuou a todo vapor.

Dois adendos

Comentário de um engenheiro florestal:

– Qualquer semelhança com a “burrocracia” governamental é mera coincidência. Afinal, 39 ministérios, inúmeras secretarias… Para quê simplificar e resolver os problemas racionalmente sem desperdícios?

Adendo de Sergio Ahrens:

– Melhor, só a TV Congresso!

ENQUANTO ISSO…

27 outubro

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