O Senado aprovou a proposta de emenda constitucional 45/2023, denominada de PEC antidrogas, na última terça-feira (16). Diz o texto: “a lei considerará crime a posse e o porte, independentemente da quantidade, de entorpecentes e drogas afins, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, observada a distinção entre traficante e usuário por todas as circunstâncias fáticas do caso concreto, aplicáveis ao usuário penas alternativas à prisão e tratamento contra a dependência.”
A PEC vai agora à Câmara, onde tem boas chances de ser aprovada.
Alguns criticaram a PEC como populismo penal e um retrocesso, outros a viram como um alívio contra as correntes propostas de descriminalização do uso ou tráfico de drogas.
Votei a favor da PEC e contribuí, modestamente, com a redação aprovada.
Nada tem ela de populista. A PEC foi apresentada pelo senador Rodrigo Pacheco e foi relatada pelo senador Efraim Morais, que não são exatamente políticos radicais. A ampla maioria que votou a favor, 53 senadores, e o baixo número de senadores que votaram contra, 9, revelam que a proposta logrou colher apoio de todos os espectros da política. Direita, centro e até mesmo da esquerda.
Pessoas razoáveis divergem sobre a melhor estratégia no enfrentamento do mundo das drogas e da violência a ele inerente.
Há quem faça um paralelo com a era da proibição nos Estados Unidos, quando, na década de 20 do século passado, foi proibida a manufatura e a venda de bebidas alcoólicas, o que gerou o contrabando ilegal e empoderou o crime organizado. Foi a época dos grandes chefões criminosos, como Al Capone. O fim da proibição, em 1933, foi um grande golpe contra o crime organizado que teve que buscar atividades menos lucrativas. A mesma lógica é defendida para o tráfico e consumo de drogas. A descriminalização retiraria o crime organizado do mercado e possibilitaria que o uso e o abuso de drogas fossem tratados exclusivamente como um problema da saúde pública.
A descriminalização, porém, é uma estratégia de risco. O consumo de drogas é mais perigoso do que o de bebidas alcoólicas. Os riscos de overdose e de dependência são muito maiores. Novas drogas, mais viciantes, são desenvolvidas a todo momento, e mesmo as antigas encontram novas versões com efeitos mais impactantes para a saúde do usuário. A descriminalização parcial, das drogas tidas como mais leves, não resolveria, por outro lado, o problema da continuidade do domínio do mercado das outras drogas pelo crime organizado.
Qualquer que seja a resposta para o problema do mundo das drogas, cabe ela ao Poder Legislativo e não ao Judiciário. Havia a possibilidade do STF, em julgamento em andamento, descriminalizar a posse para uso de drogas de pequena quantidade. Também cogitado no mesmo julgamento a fixação de uma quantidade determinada de drogas para diferenciar o traficante do usuário.
Argumento contra essa possibilidade. A descriminalização via Judiciário apenas favoreceria o tráfico em varejo de pequenas quantidades de drogas em um mercado dominado pelo crime organizado. Não existe mais a figura do pequeno traficante, trabalhando isolado e vendendo para usuários eventuais. O tráfico de drogas é um empreendimento contínuo de negócios que está dominado por grupos criminosos. A descriminalização da posse de pequenas quantidades apenas facilitaria a atividade dessas empresas criminosas, impedindo a prisão do pequeno distribuidor varejista de drogas a serviço delas.
Qualquer que seja a resposta para o problema do mundo das drogas, cabe ela ao Poder Legislativo e não ao Judiciário
Caso se opte pela descriminalização parcial ou total do consumo ou do tráfico de drogas, ela teria que ser acompanhada de uma ampla política pública de organização de produção e comércio legal, o que só poderia ser feito pelo Legislativo e pelo Executivo. Seria a única forma de criar um mercado legal protegido do domínio do crime organizado. A descriminalização parcial via Judiciário seria um desastre completo, pois estaria desacompanhada de uma política pública para retirar o mercado varejista das mãos de organizações criminosas.
Sou contra o tráfico e o consumo de drogas e a liberalização teria consequências a meu ver imprevisíveis. Ninguém sabe se ela funcionaria ou não. No exterior, países que promoveram a liberalização tiveram resultados díspares, mas em nenhum deles a violência inerente ao mundo das drogas ou os danos à saúde decorrentes do consumo de drogas deixaram de ser um grande problema. Exemplificadamente, no Colorado, estado norte-americano, que aprovou, pioneiramente naquele país, a liberação do uso da maconha em 2013, os resultados alcançados foram bem negativos: o consumo da maconha aumentou significativamente; o mercado negro de maconha persistiu, bem como a violência a ele inerente; o número de acidentes de trânsito provocados por pessoas intoxicadas com maconha também subiu (veja, por exemplo, o estudo “the legalization of marijuana in Colorado: the impact”, publicado pelo Rocky Mountain High Intensity Drug Trafficking Area Program. Um dado chocante foi a constatação de que a percentagem de incidentes de suicídio nos quais os resultados da toxicologia foram positivos para a maconha cresceram de 14% em 2013 para 29% em 2020.
Não há uma resposta fácil ou uma solução definitiva para o tráfico e o consumo de drogas. A criminalização não resolveu o problema, mas isso não significa que a descriminalização geraria melhores resultados. Provavelmente, estaríamos muito piores sem a guerra contra as drogas. A lei brasileira ainda assim é benevolente com o usuário, não o submetendo à prisão, conquanto ainda fique sujeito a penas alternativas leves. Em um cenário de imprevisibilidade, experiências sociais radicais podem mostrar-se contraproducentes. Em boa hora, o Senado aprovou medida legislativa que traz paz e segurança a esse debate. Mudanças na política atual contra as drogas precisarão, como é próprio, de um amplo debate junto à população e seus representantes e não mais nas cortes de justiça.
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