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Ações de empresa tech em queda

Enrico Trotta*

Bolsa

A ressaca do mundo Tech: ações em queda, e agora?

05/11/2021 17:07
Desde agosto, diversas empresas tech listadas na bolsa brasileira têm enfrentado um cenário bastante desafiador. Apesar do cenário de queda generalizada do Ibovespa, que despencou 15% até o momento, as empresas tech listadas têm sido mais castigadas, como por exemplo os casos de Locaweb, Infracommerce e Bemobi, cujos papéis despencarem 26%, 33% e 32%, respectivamente, no mesmo período. Mesmo companhias do setor que performaram IPOs muito bem-sucedidos, como a Méliuz e a Mosaico, cujas ações chegaram a se valorizar 696% e 132%, já observam suas ações caindo 71% e 77%, respectivamente, desde as máximas históricas, perdendo no acumulado cerca de R$ 12,3 bilhões em valor de mercado.
Mas o que tem acontecido? Por que essas empresas, que prometem crescimento acima da média, tem performado de maneira tão ruim na bolsa? Grande parte da resposta está em fatores macroeconômicos, em um cenário de taxas de juros cada vez mais altas para conter o aumento da inflação somado ao aumento dos riscos fiscais e as incertezas quanto as eleições de 2022. As altas taxas de juros implicam em uma atividade econômica mais fraca, impactando diretamente nos resultados das empresas (a projeção de PIB da equipe de pesquisa econômica do Itaú passou de crescimento de 0,5% em 2022 para queda de 0,5% no mesmo período), enquanto o aumento da incerteza fiscal se traduz em um risco-país mais alto, elevando o custo de capital das empresas e levando a deterioração da percepção de valor justo das ações listadas na bolsa.

Por que tech sofre mais?

Apesar das empresas tech terem perspectivas de crescimento acima da média quando comparadas a outros setores, vemos essas empresas tendo um desempenho pior no quadro de queda generalizada da bolsa. No geral, isso ocorre porque grande parte do valor das companhias tech está concentrado no futuro, uma vez que muitas dessas empresas ainda estão em fase de consolidação de seus modelos de negócios, atraindo novos clientes e testando novas iniciativas, fazendo com que estas arquem no curto e médio prazo com geração de caixa negativa e prejuízos consecutivos, o que é esperado que seja compensado no longo prazo.
Dessa forma, em cenários de incerteza, os investidores tendem a trocar essas teses baseadas em crescimento por histórias de valor, empresas com negócios já estabelecidos e que já trazem resultados mais consolidados no curto e médio prazo, além de buscar por ativos de maior liquidez. Adicionalmente, como o setor tech é muito diverso dentro da bolsa, com empresas expostas a diversos outros segmentos (como varejo, telecomunicações, mercado de antifraude etc.), existem outros micros fatores que justificam a desaceleração das empresas em cada segmento. Por exemplo, o segmento de e-commerce teve suas operações beneficiadas no ano passado com a difusão do Covid-19 e o fechamento das lojas físicas, que causou uma explosão no mundo de compras online. Com a reabertura do varejo físico, mais acelerada no segundo semestre de 2021, é natural que haja uma desaceleração nas vendas do e-commerce, ainda que elas sigam fortes, tornando o crescimento obtido em 2020 difícil de superar e amenizando os resultados das empresas expostas ao segmento. Empresas como Infracommerce, Clearsale e Locaweb, por exemplo, podem estar sendo adicionalmente impactadas por este fator.

 E agora, o que fazer? 

Ao se analisar empresas tech é importante se atentar aos drivers que tendem a sustentar o crescimento das companhias e a entrega de resultados no longo prazo. Diferentemente do que vemos nos Estados Unidos, onde o setor tech já é bem difundido na bolsa e muito conhecido pelos investidores, os investidores brasileiros tendem a se apegar aos resultados financeiros de curto prazo das empresas, o que acaba criando uma visão míope ao passo que as empresas do mundo tech ainda se encontram no estágio de provação/escalada do negócio. Dado que o retorno desses papéis deve vir ao longo do tempo, é necessário carregar as ações e monitorar as avenidas de crescimento. Dessa forma, se atentar a KPIs operacionais como número e engajamento de clientes, GMV (Gross Merchandise Value), novos produtos e cross/up-selling entre eles, além de novas iniciativas e qualidade da liderança das companhias, tende a ser mais benéfico do que se prender somente a indicadores financeiros no curto prazo, uma vez que esses drivers podem garantir o desenvolvimento e rentabilidade desses negócios olhando para frente. A Locaweb, por exemplo, tem entregado ótimos indicadores desde o seu IPO, em fevereiro de 2020, aumentando seu GMV em 237% (de 1T20 até 2T21) além do crescimento de 10% da base de clientes do segmento BeOnline/SaaS no mesmo período. Além disso, a companhia realizou 13 aquisições desde a sua oferta primária, agregando cada vez mais produtos aos seus ecossistemas de soluções e monetizando melhor a sua base de clientes. Outro exemplo é o crescimento registrado pela Infracommerce, listada em maio desse ano, que expandiu seu GMV em 59% desde o 1T20 (até 2T21) além de expandir sua base de clientes em mais de 400% no mesmo período e de adquirir umas das suas principais competidoras, a Synapcom, em setembro deste ano.
Outras empresas tech, como Méliuz e Sequoia, também têm sido eficazes em expandir suas operações, alocando com sucesso os recursos captados em suas ofertas de forma a fomentar drivers de crescimento. Dessa forma, apesar do momento de turbulência para empresas tech na bolsa, a boa análise do potencial de crescimento das companhias e a paciência na espera dos retornos podem trazer rentabilidades acima da média. Além disso, o cenário de incertezas atual deve levar a uma seleção natural de modelo de negócios resilientes e vencedores, chamando a atenção do mercado em um momento de maior seletividade.
* Enrico Trotta é Head de Tech no Equity Research do Itaú BBA. Enrico ingressou no Itaú BBA Equity Research em maio de 2010. De 2010 a 2014, cobriu o setor de Real Estate como membro da equipe de David Lawant, que foi avaliada de forma consistente pela Institutional Investor. Em 2015, Enrico assumiu como analista líder. Em 2018, Enrico foi premiado com a posição de vice-campeão da Institutional Investor por sua cobertura do LatAm Real Estate e classificado em 3º lugar em Real Estate / Brasil e LatAm Cement & Construction junto com a equipe de Marcos Assumpção. Em 2021, assumiu como analista líder no setor de tecnologia. Enrico participou de várias ofertas, incluindo IPOs e follow-ons de BR Malls, BR Properties, Tenda e Infracommerce. Enrico é bacharel em Administração pela Fundação Getulio Vargas em São Paulo.

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