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Homens conversam em comércio de lâmpadas led e de neon em Istambul (Bigstock)
Homens conversam em comércio de lâmpadas led e de neon em Istambul (Bigstock)| Foto:

No começo de setembro, a revista The Economist publicou um artigo muito interessante sob o título: “Por que a ortodoxia da Argentina não funcionou melhor do que a iconoclastia da Turquia”. O artigo analisa as raízes da crise na Argentina e na Turquia e as medidas tomadas pelos governos desses países para recuperar as suas economias.

A Argentina e a Turquia estão entre os países emergentes que tinham boas perspectivas de crescimento, mas que demonstraram fragilidade

econômica perante as recentes turbulências globais. O maior protagonista das dificuldades foram os Estados Unidos: o bom desempenho daquela economia, combinado com o aumento da taxa de juros e com o agravamento da guerra comercial iniciada por aquele país, provocaram a fuga de capital dos países emergentes em busca de investimentos mais seguros. Isso causou a queda das bolsas e a forte desvalorização das moedas nos mercados emergentes.

Na Argentina, o presidente Mauricio Macri herdou os malfeitos dos governos kirchneristas, muitas vezes mascarados por estatísticas governamentais irreais, e luta para reverter a crise com medidas econômicas liberais. Contudo, as ações de contenção de gasto público, a reintrodução de impostos de exportação, o aumento de taxa básica de juros para incríveis 60% e a bem-sucedida negociação de empréstimo com o Fundo Monetário Internacional (recentemente ampliado para um valor que será o maior da história), infelizmente, não ajudaram a conter a inflação e a dramática desvalorização da moeda argentina, de mais de 50% desde o início do ano.

Enquanto isso, o presidente da Turquia Recep Tayyip Erdoğan partiu para o autoritarismo e levou a economia turca à crise, promovendo medidas intervencionistas que fogem da boa técnica macroeconômica. A crise turca foi ainda agravada pela imposição, pelos EUA, de sanções em resposta à prisão do pastor estadunidense Andrew Branson, e pelo aumento de tarifas de importação de até 50% para o aço e de até 20% para o alumínio provenientes da Turquia.

Diferentemente do seu colega argentino, o presidente turco desconsiderou a possibilidade de tomar um empréstimo do FMI, pressionou o Banco Central a não aumentar as taxas de juros e nomeou seu genro como ministro das Finanças. Como consequência dessas medidas heterodoxas, a moeda turca desvalorizou 40% desde o início do ano.

Apesar da semelhança das duas economias quando analisados os altos níveis de inflação, as grandes dívidas em moeda estrangeira, os significativos déficits orçamentários e a dificuldade de fechar a balança de pagamentos, há uma grande diferença para o olhar de investidor.

E é essa diferença que, surpreendentemente, coloca a Turquia – apesar de suas políticas equivocadas – numa perspectiva mais positiva, se comparada com a da Argentina. A The Economist enfatiza que o modelo de desenvolvimento da Turquia é muito mais intensivo em comércio e em crédito.

A revista explica que a Turquia compartilha uma união alfandegária com a União Europeia, o que contribui com que o comércio exterior do país equivalha a 54% do seu PIB (dados do Banco Mundial). Enquanto isso, a Argentina conta com um comércio externo muito menor, responsável por apenas 25% do PIB.

No caso da Turquia, considerando a sua ampla inserção internacional, apenas a combinação da desvalorização atual da lira turca com o desaquecimento daquela economia já são suficientes para transformar o atual déficit da conta corrente, equivalente a 6% do PIB, em superávit num futuro próximo.

Na Argentina, por sua vez, a desvalorização do peso foi maior, mas só foi capaz de reduzir o atual déficit da balança de pagamentos de cerca de 5% do PIB para 3% (conforme dados do Instituto de Finanças Internacionais – IIF, citados pela The Economist).

A abertura econômica da Turquia também explica a diferente estrutura de crédito. Apesar de o endividamento ser maior do que na Argentina, na Turquia o principal tomador de crédito é o setor privado. E o setor privado turco foi muito mais rápido na contenção de gastos do que o setor público argentino.

Assim, a abertura econômica da Turquia, com uma grande inserção internacional, constrói um cenário muito mais positivo de recuperação, possibilitando a transformação de um déficit fiscal num superávit de forma mais fácil. Se a Argentina exportasse mais, o ingresso de recursos (em pesos) seria muito maior, equilibrando as contas públicas de forma muito mais rápida.

O que a situação da Turquia e da Argentina mostra é que, por ter uma economia mais aberta e integrada, a Turquia, mesmo com suas medidas de imprudência macroeconômica, se vê numa situação muito mais favorável do que a Argentina, apesar das boas políticas austeras adotadas pelo governo Macri.

É mais um argumento pró-abertura, que sempre prego aqui na minha coluna. O Brasil tem uma participação do comércio exterior no PIB ainda menor que a Argentina, de 24% (enquanto a média mundial ultrapassa 56%, conforme dados do Banco Mundial).

O Prêmio Nobel em Economia Michael Spence, num recente artigo, reiterou a importância da prudência econômica: “Para muitas economias emergentes, é imperativo adotar um rebalanceamento dos padrões de crescimento, com um maior foco na resiliência, e uma política mais ativa de gerenciamento de dívidas e de fluxos de capital e de seus efeitos nos preços de ativos, no câmbio e no crescimento.”

Esse rebalanceamento precisa ser apoiado numa maior inserção internacional, aliada ao fomento da atividade privada. Essas medidas serão essenciais para uma bem-sucedida estratégia de recuperação e de futuro crescimento econômico do Brasil.

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