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Picanha grelhada - Arquivo Gazeta do Povo
Picanha grelhada - Arquivo Gazeta do Povo| Foto:

Defendo na minha coluna que o protecionismo comercial atrapalha o crescimento das nossas exportações agropecuárias e agroindustriais, impedindo o aumento da produtividade e da competitividade do setor.

Lucas Ferraz, coordenador do Centro do Centro de Estudos do Comércio Global – CCGI da Fundação Getúlio Vargas, recentemente analisou o baixo dinamismo do mercado exportador do Brasil e o pequeno número de empresas exportadoras, se comparado com outros países. Ele afirma: “Não há milagre: países que importam pouco geram má alocação de recursos, proporcionam sobrevida alta para empresas pouco produtivas e, como resultado, exportam pouco. Para exportarmos mais, de forma estrutural, precisamos avançar na agenda de abertura econômica.”

No setor do agronegócio, essa abertura é ainda mais urgente, já que a balança comercial desse setor é muito desequilibrada. Para exportar mais, precisamos abrir o nosso mercado para os produtos do agronegócio provenientes de outros países.

E por onde poderíamos começar essa abertura? Que tal, pelos produtos que queremos exportar?

Lembro de ter participado, há alguns anos, de grupo governamental que negociava acordo comercial com um país parceiro do Brasil. Na negociação, fomos surpreendidos com um método muito diferente de negociação, proposto pelas nossas contrapartes estrangeiras.

Sempre negociávamos através de ‘listas de ofertas’, que continham propostas de redução de tarifas para os produtos já importados pelas partes. Cada uma das partes analisava a pauta de produtos importados da outra parte e fazia oferta de redução de tarifas. Assim, a negociação era conduzida do ponto de vista do importador.

Dessa vez, os nossos parceiros sugeriram iniciar as negociações com ‘listas de pedidos’, com as partes se colocando na posição de exportador. Esses pedidos poderiam abranger qualquer produto de interesse das partes, mesmo aqueles que não estavam inseridos no comércio bilateral – muitas vezes, em razão das próprias barreiras tarifárias existentes.

Conforme as regras daquela negociação, ao pedir a redução tarifária para um determinado produto, o país concordava em oferecer a mesma abertura para o produto importado do seu parceiro. Por exemplo, pedindo para zerar a tarifa para a carne de frango, o Brasil concordava automaticamente em zerar a sua alíquota do imposto de importação para a carne de frango que entraria no nosso país. Uma vez esgotada a pauta de pedidos, aí sim, as partes começariam a analisar as tradicionais listas de ofertas.

 

Reciprocidade por produto

Esse método era diferente de tudo que observamos nas negociações anteriores. Era muito comum dizer que o Brasil tinha “interesses ofensivos” na agricultura e “defensivos” na indústria. E que o objetivo era contrapor esses interesses. Abrir o acesso a um setor significava ceder em outro.

O método proposto naquela negociação, entretanto, parece-me mais justo e o que mais reflete a reciprocidade no comércio internacional. Se queremos acesso ao nosso produto, precisamos abrir o nosso mercado ao produto concorrente importado. Justo?

A reciprocidade por produto tem respaldo na própria teoria macroeconômica: se o país A exporta, por exemplo, café ao país B, é porque tem uma vantagem competitiva na produção de café. Então, não faz o menor sentido A proibir a importação de café de B: na verdade, B jamais conseguirá competir com A nesse produto, então é uma restrição sem sentido.

Claro, poderia haver até algum sentido em importar café de B para atender um nicho específico – uma marca exótica ou um blend ‘gourmet’, por exemplo – mas, por princípio, se A é competitivo o suficiente para ser um grande exportador de café, dificilmente o café de B será competitivo no mercado doméstico de A.

E, sem a proteção por conta das tarifas, a competição no mercado A+B dependeria apenas da competência de cada um dos países – por natureza, uma concorrência mais justa. Concordam?

Lembro-me que, em uma outra negociação, a condição que os EUA colocou para a abertura de seu mercado para a carne bovina brasileira foi a abertura do mercado brasileiro para a carne americana. Nada mais justo.

Há mais um exemplo com a carne bovina, setor no qual o Brasil é muito competitivo, sendo responsável por 20% das exportações mundiais. A Rússia, que já foi o maior comprador da nossa carne bovina, está começando as suas próprias exportações de proteínas animais e avisou que gostaria de fornecer picanha para o mercado brasileiro. Analisadas as questões sanitárias, por que não oferecer a abertura recíproca para o produto russo?

Continuaríamos vendendo nossa carne ao mercado russo – onde, aliás, ela é muito apreciada – e abriríamos o mercado brasileiro para a picanha russa, que, se for de qualidade e tiver um preço competitivo, pode perfeitamente ser vendida por aqui, beneficiando nossos consumidores sem prejudicar nossos produtores (que, em troca do ‘inconveniente’ de algumas picanhas a mais no nosso país, teriam todo o mercado russo à sua disposição).

Vale lembrar aqui que as exportações brasileiras de carnes bovina e suína com destino ao mercado russo foram suspensas em dezembro do ano passado. A reabertura é urgente e a reciprocidade, juntamente com a restauração da confiança, vão ser peças essenciais na nova negociação.

 

O futuro do Agro depende das negociações comerciais

No documento “O Futuro é Agro”, entregue aos candidatos à Presidência da República na eleição do próximo mês de outubro, a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) identifica os seguintes acordos comerciais como prioritários para o setor agropecuário: (1) União Europeia – conclusão da negociação; (2) Coreia do Sul – estabelecimento de calendário acelerado de negociação; (3) Japão – lançamento da negociação; (4) México – ampliação do ACE 53 para livre comércio; e (5) Associação de Nações do Sudeste Asiático (ASEAN) – diálogo exploratório.

Reconhecidamente, o agronegócio é um dos setores mais competitivos da economia brasileira e que depende da abertura de mercados para crescer. A agenda de negociações que o setor precisa é muito maior e deveria ser mais rápida.

A conclusão do acordo com a União Europeia é urgente. Essa negociação dura 18 anos. Juntos, o bloco europeu e o Mercosul representam um mercado de 787 milhões de pessoas com 25% do PIB mundial.

É surpreendente que o próprio setor agropecuário brasileiro esteja colocando empecilhos para a abertura desse gigante mercado, querendo manter a proteção para alguns produtos, como por exemplo, o vinho. Está absolutamente claro que o vinho é um dos produtos prioritários para os países europeus. Sem entender isso e sem abrir a mão da proteção, não é possível progredir na negociação.

E será mesmo que essa proteção – que nos custa participação na exportação de carnes, grãos e tudo o mais – se justifica, com nossos espumantes sendo premiados ano após ano e perfeitamente aptos a concorrer no mercado europeu?

Além do acordo com a Europa, deve ser objetivo do próximo presidente da República, durante os próximos quatro anos, concluir os acordos de livre comércio com o Japão, com a Coreia do Sul e com o México, mencionados pela CNA.

É preciso, também, ir além de um diálogo exploratório com a ASEAN nos próximos quatro anos. Usando as palavras da consultoria McKinsey, o Sudeste Asiático é uma “potência mundial”. Os 10 países da ASEAN contam com um PIB conjunto de US$ 2,4 trilhões e população de mais de 600 milhões de habitantes. Esses países crescem acima da média da economia global e representam grandes oportunidades em termos do comércio de produtos agropecuários.

A agenda de negociações não pode não incluir a China, nosso maior parceiro comercial, bem como com os outros parceiros do BRICS: no caso da Rússia, seria uma nova negociação e no caso da Índia e da África do Sul, seria a ampliação de acordos existentes que são pouco representativos em termos de comércio.

Além das negociações com o Japão e o México, é preciso destacar os outros nove países da Parceria Transpacífica: Canadá, Austrália, Chile, Malásia, Nova Zelândia, Peru, Singapura, Vietnã e Brunei. Juntos, esses onze países representam 13% do PIB mundial.

Além dos acordos de livre comércio propriamente ditos, é possível ter uma estratégia ousada e dinâmica em relação aos países em desenvolvimento. No caso desses países, é permitido assinar acordos mais limitados, de preferências tarifárias. Diferentemente de acordos de livre comércio, que devem abranger cerca de 90% do comércio bilateral, os acordos de preferências tarifárias podem abrir o comércio para um grupo limitado de produtos. Aqui, temos um espaço maior para atuar em diversas partes do mundo.

 

Momento oportuno para a abertura econômica

O importante é não perder o momento. A guerra comercial iniciada pelos EUA contra a China, que atinge vários outros países, desencadeou um movimento mundial no sentido do livre comércio.

Após a assinatura da Parceria Transpacífica, os países africanos avançaram na negociação de um acordo continental de livre comércio.

Singapura acaba de anunciar que o maior acordo de livre comércio do mundo, a Parceria Econômica Regional Abrangente (RCEP), que incluirá a China, os dez países da ASEAN, a Coréia do Sul, o Japão, a Índia, a Austrália e a Nova Zelândia, abrangendo 32% do PIB mundial, deverá ser assinado no próximo mês de novembro.

A Austrália acaba de anunciar a conclusão de um acordo de livre comércio com a Indonésia.

Está na hora de o Brasil acordar para uma ampla agenda de negociações comerciais de interesse do agronegócio. Abrir mão de protecionismo no próprio setor daria impulso ao dinamismo exportador do Brasil. Se o Agro internalizar essa estratégia, aí sim, a bola estará com o próximo presidente do País.

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