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Montagem a partir de fotos do presidente Bolsonaro com os chefes da China, Xi Jinping, e dos EUA, Donald Trump.
Montagem a partir de fotos do presidente Bolsonaro com os chefes da China, Xi Jinping, e dos EUA, Donald Trump.| Foto: Alan Santos/PR e AFP

Hoje todos estão celebrando a assinatura de tão esperado acordo de livre comércio entre Mercosul e União Europeia. O momento é histórico e emocionante, já que a negociação durou 20 anos.

Estamos ainda esperando a publicação dos detalhes do acordo, por isso vou deixar o tema para o meu próximo artigo.

Hoje, vou escrever sobre um outro assunto, também muito atual. Acabo de voltar de Buenos Aires, onde nos dias 25 e 26 de junho participei de uma mesa redonda sobre o futuro da relação entre a América Latina e a China na área de agricultura e agroindústria.O encontro, organizado pelo think tank americano The Inter-American Dialogue, pelo Grupo de Países Produtores do Sul (GPS) e pela Corporación Andina de Fomento (CAF), reuniu especialistas de países da América Latina, dos Estados Unidos e da China para conversar sobre as consequências da guerra comercial para a nossa região.

Para a maioria dos países latino-americanos, a China se tornou o maior consumidor de commodities agrícolas e de produtos agroindustriais, transformando o cenário produtivo e impulsionando crescimento econômico.

Enquanto conta com 20% da população mundial, a China tem apenas 7% das terras agricultáveis. Por questões históricas e políticas tenta manter a autossuficiência em culturas como arroz e trigo, mas depende de fornecedores estrangeiros em outras commodities agrícolas. Na nossa região, conta principalmente com o Brasil, Argentina e Uruguai no fornecimento de soja (para alimentação animal), celulose e carnes. Para dar um exemplo, apenas esses três países do Mercosul foram responsáveis por 70% das importações chinesas de carne bovina no ano passado (dados do Departamento da Agricultura dos Estados Unidos).

As exportações do agronegócio brasileiro destinadas ao mercado chinês somaram 35% do total no ano passado (se incluirmos Hong Kong, 37%). Enquanto isso, a União Europeia foi destino de 18% do total e os Estados Unidos, de 7%.

Os investimentos chineses na região também estão crescendo. No ano passado, a China estendeu à América Latina o convite para participar de sua ambiciosa iniciativa "Belt and Road" ("Cinturão e Rota"), que prevê maciços financiamentos e investimentos na área de infraestrutura e cooperação nas mais diversas áreas, incluindo a agricultura. Desde então, 14 países da América Latina aderiram formalmente à iniciativa. O Brasil não está nessa lista, mas acumula o maior estoque de investimentos chineses na região.

Conforme os dados da OCDE e do Atlantic Council, o nosso país recebeu 55% do total investido pela China na América Latina no período de 2003 a 2016. Em 2017, 15% dos investimentos chineses no Brasil foram destinados à agricultura (conforme levantamento feito pelo Conselho Empresarial Brasil-China).

A urbanização e o crescimento da classe média chinesa, que procura consumir alimentos diferenciados, mais variados, seguros e de boa qualidade, representam inúmeras oportunidades para a ampliação da nossa pauta exportadora. Mas isso só seria possível com a remoção de barreiras tarifárias e não tarifárias, principalmente na questão de requisitos sanitários e fitossanitários, que ainda persistem na China.

Os participantes da mesa redonda comentaram que uma estratégia mais significativa de aproximação com a China, focada no longo prazo, poderia transformar a relação, aumentando significativamente o comércio e os investimentos. Mas a possibilidade dessa aproximação esbarra na enorme desconfiança que existe em relação à China e também em questões políticas que cercam o atual conflito entre os Estados Unidos e a China.

Se a guerra comercial se agravar, será muito difícil construir relações econômicas de longo prazo sem tomar partido. Tanto a China quanto os Estados Unidos são importantíssimos para a região.

Possível "cessar-fogo" entre os Estados Unidos e a China

Neste sábado (29), em Osaka, no Japão, os presidentes Donald Trump e Xi Jinping se reúnem para discutir a relação. Tudo indica que o único acordo que vai sair dessa conversa é o de continuar conversando.

Em recentes entrevistas, altos funcionários do governo americano descartaram a possibilidade de um acordo significativo neste momento. Indicaram, porém, que as negociações entre os Estados Unidos e a China serão retomadas com a expectativa de fechar um acordo definitivo até o final deste ano.

Comentaram também que cerca de 90% desse acordo já está acertado e de que a imposição de novas tarifas estará suspensa enquanto as negociações estiverem em curso. O problema, pelo jeito, está nos restantes 10%.

O presidente Trump, por sua vez, já iniciou sua campanha buscando a reeleição no ano que vem. Enquanto a economia americana está forte, Trump adota posturas mais incisivas. Entretanto, o mercado financeiro e até o próprio Fed, banco central americano, esperam uma desaceleração em breve.

Com a retomada de negociações, Trump talvez esteja ganhando tempo para ver se insiste em um decoupling, ou separação, das duas economias ou se busca um acordo que possibilitará a convivência.

Essas duas posturas não combinam, refletindo a divisão dentro dos próprios Estados Unidos. Como Robert Zoellick, ex-representante comercial dos Estados Unidos e ex-presidente do Banco Mundial, escreveu recentemente em sua coluna, o grupo ‘separatista’ “apoia tarifas, barreiras para investimentos estrangeiros e incertezas que vão convencer as empresas a romper as cadeias de fornecimento.”

Já o outro grupo quer expandir a relação econômica com o país asiático, querendo “mudar as práticas da China para aumentar as exportações americanas, reforçar a proteção de propriedade intelectual e de tecnologia e contestar a discriminação de investidores estrangeiros.”

Zoellick conclui que para “conciliar esses objetivos contraditórios, o compromisso foi de fazer demandas extraordinárias — e confiar nos instintos de Mr Trump para decidir se faz ou não o acordo”.

Iminente divórcio entre os Estados Unidos e a China

E os instintos não são uma boa ferramenta no caso da guerra comercial. Lembro que a Universidade de Harvard define que um dos princípios fundamentais numa bem sucedida negociação é separar os problemas das pessoas. O que está acontecendo é exatamente o contrário: a negociação vai depender muito do temperamento de Trump e da personalidade dele, e menos de fatores objetivos.

Os Estados Unidos e a China parecem um casal que não para de discutir a relação. O divórcio parece inevitável. É impossível  retirar as ofensas trocadas e voltar a uma relação cordial. Apenas nos resta saber se o divórcio será amigável ou litigioso.

E nessa relação, a nossa região parece um filho adolescente que não sabe com quem vai ficar após o divórcio. Teme que, se escolher um, vai estragar a relação com o outro. E economicamente depende dos dois.

Esse cenário torna difícil a construção de uma bem-sucedida política comercial. Os tempos seguirão confusos, mesmo com o cessar-fogo. A falta de previsibilidade que vai perdurar até o final deste ano (ou até por um tempo maior) fará com que muitas decisões comerciais e de investimentos fiquem para depois. Para o agronegócio, que busca uma estratégia de longo prazo, o cenário não é favorável.

* Tatiana Lipovetskaia Palermo trabalhou por 7 anos no governo brasileiro, onde ocupou os cargos de Secretária de Relações Internacionais do Agronegócio no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento e de Secretária-Executiva Adjunta da Secretaria-Geral da Presidência da República. Atualmente está baseada em Washington (Estados Unidos), onde atua como consultora em comércio, negociações e investimentos internacionais.

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