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Para exportar mais, Brasil precisa vencer a “síndrome de Trump”
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Há uma semana, proferi palestra para o ‘Grupo de Mercado’ das cooperativas do Paraná, que pensam estratégias de desenvolvimento para o setor, principalmente na área do agronegócio.

Em 2017, as 221 cooperativas do Paraná alcançaram o faturamento conjunto de R$ 71 bilhões, conforme dados do Sindicato e Organização das Cooperativas do Estado do Paraná – Ocepar. Desse valor, R$ 58,9 bilhões vieram do agronegócio, representando quase um terço do total do faturamento das cooperativas do agronegócio do Brasil.

Em 2015, a Ocepar estabeleceu como meta alcançar faturamento total de R$ 100 bilhões até 2020, o que representaria um crescimento de 40% no período de 5 anos. Além de estratégias de mercado, o programa apelidado de “PRC 100 – Paraná Cooperativo 100” está conduzindo planejamento estratégico em outros quatro pilares: financeiro, cooperação, infraestrutura e governança e gestão.

O Grupo de Mercado do PRC 100 envolve cerca de 30 profissionais das áreas de mercado, varejo e marketing das cooperativas paranaenses. A conversa com esses especialistas não poderia ter acontecido num momento mais oportuno. Após a Rússia, que suspendeu todas as importações de carnes bovina e suína brasileiras a partir de dezembro de 2017, a União Europeia impôs restrições a vários frigoríficos exportadores de carne de frango, afetando cerca de 30% das vendas externas desse produto para o bloco europeu.

Nesse contexto, identificamos várias fragilidades que precisariam ser repensadas na estratégia de crescimento do agronegócio paranaense e, em geral, do Brasil.

 

Dependência do mercado externo e concentração da pauta exportadora

Em produtos mais competitivos, como a soja e as carnes, o Brasil tem uma grande exposição ao mercado externo. Somos o segundo maior produtor e líder nas exportações mundiais de soja em grão e de carne de frango, responsáveis por cerca de 40% das vendas externas desses dois produtos. Ao mesmo tempo, o mercado interno do Brasil consome somente 24% de soja e menos de 70% de carne de frango produzidos. O resto é exportado. Nas carnes bovina e suína, as exportações representam uma parcela menor, de 15% e 14%, respectivamente.

A dependência do mercado externo por si só não é um problema. Enquanto no Brasil temos pouco mais de 200 milhões de consumidores, fora do País contamos com mais de 7 bilhões. E a atividade exportadora remunera muito bem.

O problema é a concentração da pauta exportadora do Brasil em poucos produtos. Os 11 produtos mais vendidos pelo País no comércio internacional em 2017 representaram 50,2% do total exportado. Oito desses produtos são do agronegócio: soja em grão, açúcar bruto, carne de frango, celulose, carne bovina, farelo de soja, café cru em grão e milho. Outros três produtos são o minério de ferro, petróleo bruto e automóveis de passageiros.

Quando consideramos dados agrupados, verificamos que somente quatro complexos: de soja, de carnes, de produtos florestais e de café representaram 79% das exportações totais do agronegócio e 35% do total exportado pelo Brasil no ano passado.

A concentração da pauta exportadora se repete no caso do Paraná, que foi o terceiro maior Estado exportador do País, responsável por 13,6% do total vendido no exterior. Os quatro complexos mais exportados: soja, carnes, produtos florestais e sucroalcooleiro, representaram 88% do total das exportações do Paraná em produtos do agronegócio e 66% do total exportado pelo Estado.

Como dependemos das exportações de poucos produtos, qualquer restrição significativa no comércio internacional causa oferta excessiva no mercado interno e afeta negativamente os preços. As empresas são forçadas a diminuir a produção, introduzindo férias coletivas e até reduzindo o quadro de pessoal. O impacto das dificuldades no comércio internacional é revertido em perdas de renda e de empregos no País.

 

Balança comercial desequilibrada

O outro problema é o desequilíbrio da nossa balança comercial. O comércio exterior do Brasil teve seu crescimento acelerado a partir de 2001, quando a China entrou na Organização Mundial do Comércio – OMC, atingindo seu ápice em 2011, com US$ 256 bilhões em exportações e US$ 226,2 bilhões em importações. Nesse período, a balança sempre permaneceu superavitária para o Brasil, com exceção ao ano de 2014, quando foi registrado um pequeno déficit de US$ 4 bilhões.

De 2012 a 2016, as exportações caíram e os superávits aumentaram. Em 2017, o Brasil conseguiu recuperar um pouco as exportações, que somaram US$ 217,7 bilhões. Ao mesmo tempo, registrou superávit recorde de US$ 67 bilhões.

No comércio de produtos do agronegócio, o desequilíbrio entre as exportações e as importações é ainda mais acentuado. O melhor ano para nossas exportações foi o de 2013, quando vendemos US$ 100 bilhões em produtos agropecuários e agroindustriais para o exterior. Naquele ano, o superávit do Brasil chegou a quase US$ 83 bilhões. No período de 2014 a 2016, as exportações caíram, tendo se recuperado um pouco em 2017, totalizando US$ 96 bilhões. O superávit do agronegócio brasileiro naquele ano foi de quase US$ 82 bilhões.

Importamos muito pouco de produtos agropecuários e agroindustriais de outros países. Os nossos expressivos superávits são déficits dos nossos parceiros comerciais. Quando negociamos a abertura de mercados para os nossos produtos do agronegócio, encontramos dificuldades exatamente por conta desse desequilíbrio. Vivo repetindo que o comércio é uma via de mão dupla. E o princípio primordial em qualquer negociação é a reciprocidade. Se nossos parceiros comerciais sempre ‘perdem’ para nós, que incentivos eles têm para continuar negociando conosco?

E os exemplos não faltam. A Rússia, que é grande exportador de trigo e de peixe de captura, quer vender esses produtos no Brasil. A China quer vender aqui suas maçãs e peras. Os países da União Europeia querem exportar para o Brasil mais frutas, lácteos e frios. E assim por diante.

Ao mesmo tempo, temos uma participação relevante na importação de grãos e carnes por esses países. Por exemplo, na União Europeia, respondemos por quase 50% das importações totais de carne de frango em 2017 (já chegamos a responder por 60% em 2014). Antes da suspensão imposta pela Rússia, o Brasil chegou a ser responsável por mais de 90% das importações russas de carne suína e por 60-65% das importações de carne bovina de fora da União Econômica Euroasiática. A nossa soja já chega a quase 50% do total importado pela China.

É a reciprocidade que move o comércio internacional. E o desequilíbrio no nosso comércio, causado por um volume muito pequeno de importações, restringe diretamente as nossas exportações. As nossas vendas externas estão estagnadas e vão permanecer assim até que adotemos uma estratégia de reduzir as tarifas de importação e agilizar as negociações sanitárias e fitossanitárias para a entrada de produtos agropecuários importados.

O preconceito generalizado contra as importações, apelidado durante o nosso encontro com as cooperativas paranaenses de ‘síndrome de Trump’, precisa ser combatido. Para exportar, precisamos importar.

 

Restrições sanitárias

As restrições sanitárias impostas pelos grandes mercados, como a União Europeia e a Rússia, abalaram muito os produtores paranaenses. Sem entrar no mérito dos critérios técnicos utilizados, gostaria de enfatizar que as restrições não foram decisões fáceis para esses mercados.

Há tempos esses países notificavam o Brasil sobre as inconformidades nas importações de produtos brasileiros. A determinação de suspender as compras veio apenas depois que o Brasil apresentou garantias insuficientes quanto às medidas tomadas para evitar situações de inconformidade. Ou seja: não fomos capazes de passar segurança na nossa determinação de combater os problemas. A investigação policial sobre a adulteração de certificados sanitários também contaminou a confiança dos importadores.

Os países importadores têm uma preocupação válida quanto à segurança alimentar. E suspender as importações de um parceiro tão importante traz risco de desabastecimento e aumento dos preços dos alimentos para os consumidores. Por isso, discordo da afirmação de que a principal motivação das restrições foi política. Parece-me que a razão predominante foi a falta de confiança.

 

Traçando novas estratégias de mercado

A concentração das exportações em poucos produtos e a grande dependência desses poucos produtos para o sucesso do nosso comércio exterior, com uma importante saturação nos mercados importadores, traz a necessidade de os produtores mudarem a estratégia.

A solução é diversificar tanto produtos quanto os mercados. A estratégia interna é interligada à externa, por conta da grande exposição dos nossos complexos exportadores ao comércio internacional. Por exemplo, toda a produção animal depende dos grãos, que são usados na ração. Quando os preços internacionais de grãos sobem, aumentam as exportações e falta ração no mercado interno.

Nos produtos tradicionais, como carnes, é preciso ficar cada vez mais atento às exigências sanitárias de cada um dos países importadores. É preciso cativar o importador, como qualquer outro cliente. Antecipar as demandas e as preferências. Estabelecer a confiança. Mas esse será o tema do meu próximo artigo.

O Paraná exporta, mesmo que em volumes ainda pequenos, uma grande variedade de produtos: cereais, café, couros e peles, sucos e outras bebidas, rações para animais, produtos hortícolas, leguminosas, raízes e tubérculos, produtos apícolas, cacau, lácteos, frutas, animais vivos, plantas e flores. Há também um potencial enorme na produção e exportação de peixes de cultivo.

As novas decisões e estratégias vão ter que passar por uma grande mudança na visão dos produtores agropecuários quanto ao comércio exterior. Vários estereótipos e preconceitos precisam ser superados, inclusive, a síndrome de Trump. Só assim, vamos conseguir ampliar as exportações agropecuárias e agroindustriais.

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