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Bolsonaro ouve discurso de Trump em coletiva de imprensa na Casa Branca, 19 de março. Foto de Brendan Smialowski / AFP
Bolsonaro ouve discurso de Trump em coletiva de imprensa na Casa Branca, 19 de março. Foto de Brendan Smialowski / AFP| Foto:

Acompanhei de perto a visita do presidente Jair Bolsonaro a Washington no início desta semana. Após a passagem em janeiro pelo Fórum Econômico Mundial em Davos, o presidente iniciou pelos Estados Unidos o seu diálogo externo.

Há um grande simbolismo nessa escolha para a política externa brasileira e no contexto geopolítico. Apesar de uma avaliação geral positiva, alguns aqui em Washington chamaram a visita de chocante, pela enorme afinidade expressada pelos dois presidentes e pela genuína admiração e pelo afeto com que Bolsonaro tratou Trump. Declarou até o apoio à reeleição de Trump em 2020, um gesto raro para um chefe de Estado estrangeiro.

A China foi mencionada várias vezes. Parecia uma demonstração para Pequim e para o mundo em geral: antes, o Brasil não escolhia um lado, mas agora escolheu os Estados Unidos. Até então, tanto na área política quanto na economia, o Brasil seguia o multilateralismo. Agora há um viés diferente.

Logo após voltar dos Estados Unidos, o presidente Bolsonaro seguiu para o Chile. A opção por essa agenda, novamente, destoou da escolha habitual, que seria começar o diálogo internacional pela Argentina, que é o principal parceiro do Brasil no Mercosul.

Em Santiago, Bolsonaro, juntamente com os presidentes de direita Sebastian Piñera (Chile), Mauricio Macri (Argentina), Mario Abdo Benítez (Paraguai), Martín Vizcarra (Peru), Iván Duque Márquez (Colômbia) e o recém ingressante no clube dos direitistas Lenín Moreno (Equador), criou uma aliança chamada Prosul, em substituição à Unasul (União de Nações Sul-Americanas), considerada de esquerda.

Além do Uruguai, fiel parceiro do Brasil no Mercosul, outros países foram deixados para trás: Bolívia, Guiana, Suriname e Venezuela. O presidente uruguaio, Tabaré Vázquez, já declarou que não vai assinar o novo acordo, por ter uma construção ideológica, tal como foi o caso da Unasul, a qual pretende substituir.

Desgastes com parceiros comerciais

Daqui a uma semana, o presidente Bolsonaro deve ir a Israel. Foi anunciada uma agenda de negócios, mas está em aberto a polêmica decisão sobre a  transferência da embaixada do Brasil de Tel Aviv para Jerusalém, seguindo o exemplo dos Estados Unidos. Deve respingar no Brasil, também, a recente decisão de Trump de reconhecer as Colinas de Golã como território de Israel, na contramão das resoluções das Nações Unidas e criando um grande atrito com o Irã. Com isso, o Brasil se desgastará com os países árabes e com o Irã, importantes parceiros comerciais, principalmente na área de agronegócio.

Agora, a pergunta que não quer calar: Bolsonaro escolheu os Estados Unidos por ser a maior economia mundial ou pela afinidade pessoal com Trump? A vinda pra cá foi preparada às pressas e há poucos resultados concretos. É extremamente positiva a aproximação entre os dois países. Há inúmeras oportunidades de comércio, investimentos e cooperação tecnológica. E um bom relacionamento ajuda muito.

Mas e se Trump não for reeleito no ano que vem? O Brasil vai mudar de parceiro? Será que a vitória de um democrata, o que nos EUA é considerado um partido mais à esquerda, vai fazer com que Bolsonaro perca o encanto pela parceria? A aposta parece ser bem arriscada para o nosso país.

A economia brasileira, que está lutando para sair de uma das mais graves recessões da história e que tem como desafio aumentar a produtividade, precisa como nunca de investimentos, tanto em capital quanto em transferência de tecnologia. E os investidores estrangeiros estão preocupados com as escolhas do Brasil na sua política externa. O que deixa o mercado apreensivo não é a mudança no viés ideológico, mas a forma conflituosa como essa transformação está ocorrendo.

Um dos exemplos mais marcantes é a nossa relação com o México. Tal como no Brasil, a população mexicana fez escolhas políticas por conta da revolta contra a corrupção e a violência. Só que, se aqui tínhamos um governo de esquerda e a população escolheu o candidato da direita, lá foi o contrário – elegeram o candidato da esquerda porque estavam insatisfeitos com o governo direitista anterior.

E agora? Sendo o México um grande parceiro comercial do Brasil, Bolsonaro vai investir na relação com o presidente AMLO (Andrés Manuel López Obrador)? Vamos ampliar o livre comércio e cooperar em outras áreas? Ou nosso presidente vai alienar o México apenas por questões ideológicas?

Voltando à visita aos EUA, não podemos subestimar a declaração do apoio dos Estados Unidos à adesão do Brasil à Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), chamada de “clube de países ricos”. É um resultado muito expressivo e que há poucas semanas era tido como improvável. Nesse aspecto, provavelmente a relação ajudou.

Em troca do apoio ao ingresso na OCDE, o Brasil concordou em começar a dispensar o tratamento especial e diferenciado que possui hoje na Organização Mundial do Comércio (OMC). Mas o que isso significa?

Atualmente, um quarto dos membros da OMC têm esse status de países em desenvolvimento, incluindo grandes economias como a China, o México e a Coréia do Sul, o que permite prazos mais longos para a implementação de acordos e compromissos e mais flexibilidade na negociação de acordos comerciais. O que já foi negociado está valendo, mas a partir de agora, o Brasil precisará mudar. Acho justo – se queremos entrar no clube dos países desenvolvidos, vamos ter que começar a agir como tal.

O ingresso na OCDE é positivo porque vai nos obrigar a fazer o que sempre venho defendendo aqui nesta coluna: abrir nossa economia, hoje considerada uma das mais fechadas do mundo, e ampliar nossa interação com o resto do mundo, tanto por meio do comércio quanto através de investimentos.

Sem viés ideológico

Mas para conseguir ser de fato aprovado como membro da OCDE, o Brasil vai precisar fazer um duro dever de casa, principalmente na área regulatória e de ambiente de negócios. E para isso, Bolsonaro terá que contar com muito mais apoio interno do que externo: do Congresso e da sua base de eleitores. A reforma da previdência e outras grandes reformas estruturantes fazem parte desse desafio.

Será preciso também acabar com a grande diferença que hoje existe entre o discurso da equipe econômica do governo e a prática. Muito tem sido dito, mas ainda não existe um plano de ação claro. Por exemplo: uma das metas declaradas é o aumento da participação do comércio exterior brasileiro no Produto Interno Bruto (PIB) dos atuais 23% para 30% em quatro anos. Segundo o governo, esse objetivo seria cumprido por meio de novos acordos comerciais “sem viés ideológico”.

Entretanto, até agora não foi divulgada a agenda de negociações que o governo pretende concluir para cumprir tão ambiciosa meta num prazo tão curto. Negociações internacionais são muito demoradas e exigem um esforço político muito grande, então precisamos agir logo.

Aqui nos Estados Unidos, por exemplo, havia esperança de que os presidentes fossem anunciar o início da negociação de um acordo de livre comércio. Por que não aproveitamos a oportunidade da aproximação? Por que a criação de uma cota de importação de 750 mil toneladas de trigo com tarifa zero (ao invés dos 10% atuais) foi um ato isolado e não fez parte de uma redução tarifária para um grupo de produtos maior por ambos os lados?

Se quisermos realmente ingressar na OCDE, com todo o investimento e crescimento que isso traz, o governo Bolsonaro precisa mobilizar o País em torno dessa agenda. A dramática queda da popularidade do presidente, relatada pelo Ibope nesta semana, demonstra o tamanho do desafio. O pragmatismo, e não escolhas ideológicas pessoais na política internacional e no contexto interno, seria uma opção mais acertada.

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