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Uma tarefa urgente do Estado brasileiro e que não é a reforma da Previdência
| Foto: Marcelo Andrade | Gazeta do Povo

Já escrevi aqui na coluna sobre a importância do novo pensamento econômico, a "economia comportamental", que parte do entendimento de que nem sempre o comportamento humano é racional e de que, na esfera econômica, o Estado tem como, por meio de políticas públicas, persuadir as pessoas a tomar decisões de forma racional.

Esse campo de pesquisa econômica leva em conta os fatores da própria natureza humana: psicológicos, sociais, cognitivos, emocionais e comportamentais que influenciam a tomada de decisão. A “arquitetura da escolha”, como é chamada a economia comportamental, pode e deve ser usada pelo governo como instrumento de formulação de políticas públicas para persuadir a população a fazer melhores escolhas: integrar a economia formal, tomar decisões financeiras mais racionais, economizar água e energia, investir na educação dos filhos etc.

Um dos temas mais preocupantes no contexto econômico brasileiro hoje é a pouca poupança e o crescente endividamento de famílias brasileiras.

Conforme pesquisa realizada pela Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), em agosto do ano passado 58% dos brasileiros não tinham nenhum investimento financeiro. Dentre aqueles que contavam com alguma aplicação, apenas 9% tinham feito algum aporte em 2017.

Já no começo deste ano, a Anbima fez uma nova pesquisa e verificou que apenas 8% das pessoas aplicaram em produtos financeiros em 2018 (mais de 88% dessas pessoas, em caderneta de poupança). Esse número contrasta com o desejo de poupar dinheiro expressado por 56% das pessoas entrevistadas no começo de 2018: ou seja, mais da metade dos entrevistados tinham interesse em poupar, mas apenas 8% chegaram a fazer isso.

Ao mesmo tempo, a última Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic) da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) mostra que, em abril deste ano, 62,7% das famílias brasileiras estavam endividadas. No mesmo período, 23,9% das famílias estavam inadimplentes, com dívidas ou contas em atraso e 9,5% das famílias declararam não ter condições de pagar suas contas ou dívidas em atraso.

Agora que o Congresso Nacional está debatendo a reforma da Previdência Social, que foi proposta pelo governo com o intuito de criar um sistema mais justo e sustentável para as contas públicas, o tema da redução do endividamento populacional e do estímulo à poupança é mais atual do que nunca. É uma das pautas mais urgentes no país.

Como a economia comportamental poderia ajudar a aumentar a poupança?

Esta semana, assisti uma palestra do professor de Psicologia e Economia Comportamental da Duke University Dan Ariely que explorou o tema de "intervenções comportamentais" para incentivar as pessoas a pouparem mais. Comentou, dentre outros exemplos, sobre um projeto que desenvolveu no Quênia.

Como em muitos países em desenvolvimento e de menor desenvolvimento, no Quênia há uma importante parcela da população que trabalha no setor informal, não tem acesso ao sistema de seguridade social e não tem poupança.

O objetivo do projeto, que durou seis meses, era testar como as "intervenções comportamentais" e os incentivos financeiros poderiam aumentar a poupança popular através da adesão de trabalhadores informais com renda pequena ou irregular a um plano de investimentos.

A primeira tarefa foi criar um sistema de poupança que fosse fácil de aderir (depositando recursos até por meio de um aplicativo de celular) e difícil de sair (para retirar o dinheiro, era necessário ir ao banco pessoalmente e cumprir vários procedimentos burocráticos). Claro, a dificuldade foi criada de propósito, para incentivar as pessoas a continuar poupando.

Uma vez criado o sistema, foram usados três instrumentos de intervenção comportamental, testados com um grupo de controle. O primeiro foi de mandar,   através de mensagens de texto para os celulares dos depositantes, notificações mensais com o saldo da conta de poupança.

Além das notificações habituais, os pesquisadores testaram também textos que davam a impressão de que foram escritos pelos membros da família do depositante (normalmente, filhos), usando os nomes dos familiares. Algo como: "querido pai, lembre de fazer o depósito semanal na conta de poupança, investindo assim no futuro dos seus filhos (incluindo os nomes)"...  A mensagem personalizada, ao apelar para o sentimento de culpa, funcionava melhor.

O segundo instrumento usado pelos pesquisadores foi o incentivo financeiro: um bônus de 10% ou de 20% sobre o valor de cada depósito semanal na poupança. Nesse caso, também foram explorados fatores comportamentais: a antecipação do bônus para o começo de cada semana (o bônus era depositado no começo da semana e, se o depositante não investisse naquela semana, o bônus era devolvido) funcionou melhor do que a opção de depositar o bônus após o investimento.

No primeiro caso, o depositante se sentia dono da quantia que estava na sua conta e não queria perdê-la. Em economia comportamental, isso é chamado de aversão ao risco - as pessoas tendem a dar mais importância a não perder o que tem do que a ganharem mais. Interessante que o valor do bônus - 10% ou 20% - não influenciou a decisão de investir.

E o último instrumento foi uma moeda dourada com números representando as 24 semanas de duração do experimento, que cada participante riscava quando fazia o depósito semanal. As pessoas eram instruídas a colocar a moeda em um lugar visível da casa, para que toda a família pudesse acompanhar. Essa moeda foi a intervenção comportamental mais eficaz: as pessoas que receberam moedas fizeram depósitos maiores e duas vezes mais frequentes do que aquelas que não a receberam.

A visibilidade é o mais forte incentivo para aumentar a poupança

E o segredo desse incentivo foi a visibilidade. O estudo mostrou os depositantes davam grande valor ao fato de seu esforço ser visível para as outras pessoas, principalmente para os membros da família. Isso é ainda mais válido para os homens, que desde meninos são educados para sustentar a família. Ariely explica que no tempo em que as pessoas poupavam dinheiro comprando gado, o esforço de poupança era muito visível e facilmente reconhecido pelos vizinhos e pela família, bastava olhar o tamanho do rebanho. Hoje em dia, a poupança em uma conta bancária não tem a mesma gratificação emocional, porque não tem visibilidade.

Achei muito interessante esse trabalho de Ariely no Quênia. No Brasil, temos um problema parecido: tanto os trabalhadores informais quanto aqueles que têm emprego formal poupam muito pouco. Na contramão disso, há várias políticas governamentais focadas no estímulo ao consumo e ao crédito, o que aumenta o endividamento da população. Isso é ainda mais prejudicial, quando falamos dos empréstimos consignados em folha.

É importante pensar num sistema de poupança de fácil adesão (inclusive para aqueles trabalhadores que não têm conta bancária), mas difícil na hora de retirar recursos. É preciso usar as técnicas disponíveis no âmbito da arquitetura da escolha para ajudar a população a tomar decisões financeiras racionais.

Muitas vezes, a legislação brasileira (principalmente o código de defesa do consumidor) nos restringe na implementação de políticas de incentivo de poupança, já que tenta garantir a total liberdade do consumidor de decidir - até mesmo contra os contratos assinados. Como mostram as pesquisas econômicas, muitas vezes a ampla liberdade não é o melhor caminho: as pessoas não tomam decisões racionais, prejudicando o seu futuro e o futuro das suas famílias.

O papel do Estado é pensar no bem-estar da população e de conscientizar as pessoas a fazerem escolhas certas. O problema da pouca poupança popular e do crescente endividamento das famílias brasileiras tem que ser enfrentado com urgência. A reforma da Previdência colocará as contas do Estado em ordem, mas só o aumento da poupança colocará em ordem as contas das famílias brasileiras.

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