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O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva fala durante uma coletiva de imprensa em Paris, França, 17 de novembro de 2021| Foto: EFE/EPA/CHRISTOPHE PETIT TESSON

O ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendeu em 2 de março o andamento da última ação penal movida contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Segundo as palavras do ministro do Supremo, o processo não teria um “suporte idôneo” e os procuradores do Distrito Federal seriam parciais, pois teriam criado uma “empreitada persecutória contra o ex-presidente Lula”. Não vejo elementos jurídicos que autorizariam essa suspensão, mas antes de analisar a decisão do ministro do STF é importante relembrar os crimes apurados nesse processo.

Em dezembro de 2016 o MPF do Distrito Federal processou criminalmente o ex-presidente, o seu filho Luiz Claudio Lula da Silva e mais dois empresários por integrarem uma organização criminosa. Lula foi processado por tráfico de influência, lavagem de dinheiro e por integrar organização criminosa, pois, segundo a acusação, prometeu influenciar a ex-presidente Dilma Rousseff para a concessão de benefícios indevidos a três empresas: a companhia sueca SAAB (que venderia 36 caças Grippen para a FAB); a Marcondes e Mautoni; e a CAOA, sendo que essas últimas receberiam prorrogações de benefícios fiscais com a edição da Medida Provisória 627/2013 pela ex-presidente Dilma.

Em contrapartida ao tráfico de influência realizado, o ex-presidente Lula recebeu mais de 2 milhões e quinhentos mil reais, através de seu filho Luiz Claudio, por intermédio da celebração de um contrato de prestação de serviço de marketing fictício (nos termos da acusação). A expectativa era que o valor total recebido fosse de 4 milhões de reais, mas a integralidade desse montante não foi paga por conta da deflagração da denominada Operação Zelotes em março de 2015. Por conta desses fatos, Luiz Claudio também foi processado por lavagem de dinheiro e por integrar organização criminosa. Os crimes teriam sido praticados entre 2014 e 2015.

A defesa do ex-presidente Lula alegou que os Procuradores do Distrito Federal seriam suspeitos (parciais), e foi instaurado um procedimento para apurar essa alegada suspeição perante o Juiz do Distrito Federal (o juiz da causa). Entretanto, enquanto a ação penal tramitava, o ministro Lewandowski determinou a suspensão dessa ação com base em provas ilícitas, quais sejam, as supostas conversas obtidas criminosamente através do ataque hacker, e investigado pela Operação Spoofing.

Embora a Constituição Federal proíba a utilização de provas ilícitas em seu artigo 5º, inciso LVI, essas supostas provas obtidas criminalmente – através de um ataque cibernético – foram utilizadas como fundamento da decisão do ministro do Supremo. Segundo ele, a doutrina brasileira (os juristas escritores) e a jurisprudência (as decisões recorrentes de tribunais) autorizam a utilização de provas ilícitas para demonstrar a inocência do réu.

Entretanto, os diálogos transcritos pelo ministro Lewandowski primeiramente não podem ser classificados como verdadeiros, diante da possibilidade de adulteração dos mesmos pelos próprios hackers e, ainda que considerássemos essas conversas como legítimas, em nenhum momento se extrai do seu teor afirmações ou conjecturas de que o ex-presidente era inocente, pois as supostas conversas – ressalto, ainda que hipoteticamente verdadeiras – apenas demonstram as estratégias adotadas por operadores do direito diante de um complexo e grave caso de práticas ilícitas.

Por outro lado, o STF não poderia ter decidido que os procuradores que atuaram nesse processo seriam suspeitos, ou seja, que teriam agido com parcialidade, pois essa questão deve ser analisada inicialmente pelo juiz da causa, que é o magistrado de 1ª Instância, que deverá assegurar a defesa e o contraditório aos referidos membros do Ministério Público. Assim, essa decisão do STF, ou melhor, de um dos ministros da Suprema Corte, violou um princípio jurídico que impede a supressão de instâncias, ou seja, nosso sistema não permite que uma corte superior decida uma questão antes que o juiz da causa analise determinado assunto.

No Direito há um apelido para esse tipo de recurso que “pula” uma ou mais instâncias, é o conhecido “recurso canguru”, pois ele “pula” alguns degraus de julgamento. Além disso, o ministro do STF consignou em sua decisão que faltaria um “suporte idôneo” para o início da acusação; entretanto, não cabe às cortes superiores – seja o STJ ou o STF – analisar as provas constantes nos processos, pois não cabe a esses ministros adentrar no mérito da causa, vez que referidas cortes devem analisar apenas se uma decisão judicial violou uma lei ou a Constituição.

Quem deve se debruçar na análise das provas de um processo, ou seja, quem analisa o mérito de um caso é exclusivamente o juiz da causa, o juiz da primeira instância (do primeiro degrau de julgamento) e essa análise das provas, poderá ser refeita pelos desembargadores do Tribunal, e não por ministros do STJ (3ª Instância) ou do STF (4ª Instância).

Assim, por força dessa decisão, esse importante processo criminal que apura casos graves de corrupção (na modalidade tráfico de influência) ficará suspenso até que o pleno do STF analise esse caso. Mas, diante das últimas decisões extremamente garantistas do Supremo – principalmente no que se refere ao ex-presidente Lula – possivelmente o STF entenderá que o referido processo deverá ficar de fato suspenso. Aguardemos.

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