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O presidente Jair Bolsonaro.| Foto: Alan Santos/PR

Em 28 de janeiro de 2022, o presidente da República foi notificado pelo STF a comparecer na Polícia Federal (PF) para prestar depoimento em inquérito que apura eventual violação de sigilo profissional cometido, em tese, quando o presidente divulgou informações de inquérito que apurava o ataque hacker ao sistema da Justiça Eleitoral.

Para explicar melhor a questão, importante fazermos uma recapitulação do ocorrido. Após a realização da live semanal do Presidente no dia 29 de julho de 2021, o corregedor geral do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) requereu ao Supremo Tribunal Federal (STF) a apuração de suposto vazamento de informações sigilosas. Sendo encaminhado o pedido ao ministro Alexandre de Moraes, este determinou a instauração de um inquérito para apurar a ocorrência do suposto crime e determinou diligências.

De início, pode-se constatar uma irregularidade, pois o Poder Judiciário não pode instaurar investigações criminais e passar a conduzi-las, pois os órgãos responsáveis para instaurar e realizar investigações criminais seriam apenas a polícia e o Ministério Público. A instauração de ofício de uma investigação pelo Judiciário viola o nosso sistema acusatório, que determina que as funções de acusar, defender e julgar devem ser exercidas por órgãos distintos, e não cabe nas funções dos magistrados investigar a prática de infrações criminais, mas apenas julgá-las.

Em relação ao suposto crime de violação de sigilo funcional, deve-se elucidar que o agente desse delito, ou seja, quem poderia cometer esse crime seria o indivíduo que tem o dever legal de guardar o sigilo, e, no caso em análise, seria o delegado de Polícia Federal titular do caso e os demais servidores envolvidos na apuração. A própria autoridade policial que está realizando a investigação da suposta quebra de sigilo funcional já constatou que o delegado responsável pelo caso não cometeu nenhum crime, logo, terceiros, como o presidente da República e o deputado Federal que participou da live presidencial, não poderiam ser responsabilizados por um crime que não ocorreu.

Ademais, o próprio delegado que apura os crimes de hackeamento informou que mencionado inquérito não estava sobre sigilo. Sobre a coleta do depoimento de presidentes da República, o Código de Processo Penal determina que o depoimento poderá ser colhido por escrito somente quando o chefe do Executivo é ouvido na qualidade de testemunha. Assim, quando presta um depoimento como investigado, esse ato deve ser realizado de forma presencial. É fato que o ministro Fachin autorizou que o ex-presidente Michel Temer prestasse declarações por escrito quando era investigado. Contudo, uma decisão judicial não pode revogar o Código de Processo Penal. Assim, entendo que o depoimento de Presidentes da República deve ocorrer de forma presencial quando são suspeitos de praticar algum crime.

Entretanto, no presente caso, a forma como esse inquérito foi instaurado não está correta, maculando todo o procedimento. Devemos também lembrar que em junho em 2018 o STF implementou o denominado “direito de ausência” determinando que o investigado não é obrigado a comparecer quando intimado por autoridade investigativa, não podendo ser conduzido coercitivamente a depor. Embora eu não compartilhe desse entendimento, pois o Código de Processo Penal em seu artigo 260 é claro ao afirmar que o investigado que se ausenta em depoimento poderá ser conduzido coercitivamente, penso que o STF deve fazer valer seu novo entendimento, e não aplicar qualquer consequência jurídica ao não comparecimento do presidente da República. Assim, ao exercer um direito – ainda que novo e criado pelo STF – o chefe do Executivo não poderá sofrer qualquer medida jurídica, e nem responder por crime de responsabilidade ao não comparecer perante a Polícia Federal.

No meu entendimento, os investigados e réus são obrigados a atender às intimações da polícia, do Ministério Público e do Judiciário, embora não sejam obrigados a falar, pois a Constituição consagra o direito ao silêncio; contudo, atender ao chamado dessas autoridades seria sim um dever do investigado ou réu, e também das testemunhas, sob pena de condução coercitiva.

Entretanto, as decisões garantistas do STF que, por muitas vezes, revogam a legislação (ainda que de forma indevida e interferindo nas funções do Poder Legislativo) devem ser aplicadas a todos, independentemente de posicionamentos políticos e ideológicos. Assim, o presidente não era obrigado a comparecer para prestar declarações, e não poderá ser responsabilizado por seu ato.

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