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O Presidente da Argentina, Mauricio Macri, um dia após as eleições primárias de 12 de agosto. Foto: Juan Mabromata/AFP
O Presidente da Argentina, Mauricio Macri, um dia após as eleições primárias de 12 de agosto. Foto: Juan Mabromata/AFP| Foto: AFP

O presidente argentino Mauricio Macri parece não ter compreendido que seus eleitores não o elegeram, em 2015, por serem de "direita". Também parece não ter entendido que os que votaram nessa última semana na chapa Alberto Fernandez-Cristina Kirchner não o fizeram por serem de "esquerda".

A tentativa de entender o voto baseado numa dicotomia "esquerda" e "direita" é superficial e rasa. A Argentina, assim como vários países latino-americanos, tem uma população desesperada por estabilidade. Essa estabilidade poderia vir à força, por meios inteligentes, estúpidos, artificiais ou naturais. Não importaria. A derrocada econômica argentina das últimas décadas está intrinsecamente associada à derrocada política de inúmeras décadas passadas, desde o surgimento do populismo institucionalizado via Peronismo.

Macri não é um liberal. Fez um ajuste fiscal pela metade e falhou na tentativa de reestabelecer a credibilidade na moeda. Faltou-lhe convicção. Por um lado, não conseguiu convencer o mercado financeiro de que suas reformas eram pra valer; por outro, não convenceu a população a encarar que dificuldades eram necessárias para que reformas colocassem ordem na casa.

Quem era liberal no governo de Macri foi embora ainda no início (Alfonso Prat-Gay, Luis Caputo entre outros). O presidente passou, então, a apostar na certeza de que as narrativas pró-mercado seriam suficientes para atrair o interesse do investidor externo, enquanto as reformas foram ficando para trás, sempre à espera de "um melhor ambiente político ". Apagar incêndios tornou-se a norma, e, assim, o momento de proceder às reformas ficou reservado para um segundo mandato que pode não vir.

Quando o FMI se mostrou um caminho necessário para evitar uma tragédia econômica no país, fantasmas do passado recente (2001) povoaram as ruas de Buenos Aires e narrativas anti-Macri tornaram-se fáceis de serem desenvolvidas por seus opositores. Enquanto o presidente lutava em busca de uma credibilidade forçada, Cristina Kirchner unia o Peronismo ao redor de uma ideia: derrotá-lo.

O empréstimo de U$ 57 bilhões foi o recorde dado pelo Fundo Monetário Internacional a uma nação. Em uma pesquisa feita na época do empréstimo, 75% dos argentinos colocaram-se contra ele.

À medida que Macri se atrapalhava em sua gestão, aumentando as dúvidas entre cidadãos e investidores acerca de suas capacidades de resolver os problemas econômicos do país, Cristina Kirchner organizava o Peronismo para que este não se dividisse e diluísse votos como ocorreu no passado. Importante frisar: Cristina Kirchner não é de esquerda. Assim como Macri não é de direita. Cristina representa o nefasto mundo do clientelismo latino-americano, onde o personalismo e as trocas de favores entre sindicatos, grupelhos políticos e organizações corporativistas ditam o rumo e o ritmo de um governo. Para ela, posicionar-se com uma narrativa de "esquerda" ou de "direita" depende da conveniência do momento.

Macri colocou as fichas em um caminho diferente: melhorar a sensação térmica antes de melhorar o ambiente real. Ou seja, apostou na geração de confiança antes mesmo de fazer algo que gerasse confiança. Como em um golpe de pirâmide financeira, ele apostou que o investimento estrangeiro reergueria a economia do país, justamente porque a economia do país estaria se reerguendo com o investimento estrangeiro. Ora, sem as reformas não basta um indivíduo ter cara de mercado financeiro, educação de mercado financeiro, amigos no mercado financeiro, se o mercado financeiro não confia no país para o qual o investimento estaria sendo destinado. E por que não confiariam no país? Porque a própria população não coloca fé na moeda e na capacidade do governo em fazer as reformas.

Cristina é uma clientelista e Macri, um "emcimadomurista". Nesta lógica, a ausência de noção de Cristina leva o país a um caos político-econômico e a ausência de pressa de Macri empurra o país para o Kirchnerismo. Este ciclo de decisões que varia entre “ruins” e “piores” gera uma espécie de repelente contra investimentos externos.

No dia 27 de outubro, teremos eleições presidenciais na Argentina. Até lá, Macri precisa impedir que a dupla Alberto Fernandez e Cristina Kirchner chegue aos 45%. Nas primárias de domingo, Alberto Fernandez conseguiu 47,6% e Macri conquistou 32,08%. Dado o fato de que Macri performou relativamente bem em zonas urbanas e muito mal nas províncias (onde Cristina tem força), sua chance de reverter o resultado até o dia 27 não é das maiores.

Para o Brasil, muita coisa pode mudar com o resultado dessas eleições. Tanto Bolsonaro quanto Cristina Kirchner são políticos que gostam de cultivar um inimigo para poder ilustrar suas narrativas comparativas. E melhor ainda se esse inimigo estiver localizado em um país vizinho, distante da realidade do dia-a-dia.

No entanto, vários pontos — infinitamente mais importantes do que as simples narrativas — serão prejudicados. O Acordo Mercosul-União Europeia poderá sofrer com a possível falta de cooperação entre os dois países. Durante seu governo, Cristina dificultava, e muito, a entrada de produtos brasileiros na Argentina quando seu secretário Guillermo Moreno freava as importações, prejudicando assim toda a sua logística de distribuição. Isso beneficiava algumas indústrias argentinas bem relacionadas com o Kirchnerismo. Poderemos ver também uma tentativa argentina de politizar o Mercosul, principalmente em relação à Venezuela. Além disso, a queda das exportações brasileiras ( 40% nos sete primeiros meses deste ano em relação ao ano passado) deve continuar sua derrocada. Para o setor automobilístico, a descida prevista pela Anfavea nas exportações será de 28,5% neste ano.

Enfim, Mauricio Macri gerou uma expectativa enorme de recuperação econômica sem revelar para a população que não havia receita para essa recuperação. Seu prestígio com o mercado financeiro valeu por pouco tempo. É fato que conseguiu gerar um empréstimo histórico com Christine Lagarde, mas não atingiu a população com essa credibilidade, nem a sedimentou internamente. Já Cristina Kirchner aproveitou-se da memória curta (típica latino-americana) para atualizar a culpa em Macri de problemas pelos quais ela era a grande responsável. Com uma narrativa populista e clientelista, Cristina pode chegar como uma vice, o que na prática a colocaria como Presidente. Como um ditado popular bastante repetido nesses últimos dias, "se você visita a Argentina após 20 dias, perceberá que tudo mudou. Se visita for após 20 anos, perceberá que nada mudou".

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