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O presidente russo, Vladimir Putin, é um dos líderes que se utiliza da chamada “guerra não-linear”.
O presidente russo, Vladimir Putin, é um dos líderes que se utiliza da chamada “guerra não-linear”.| Foto: Mikhail Klimentyev/AFP

O documentarista britânico Adam Curtis fez um filme sobre Vladislav Surkov. Para quem não sabe, Surkov foi um dos grandes ideólogos do presidente russo Vladimir Putin, além de ter sido vice-primeiro- ministro da Rússia durante a Presidência de Dmitri Medvedev. Surkov explicou um pouco a Curtis como funciona a estratégia de narrativa de Putin, chamada por ele de "guerra não-linear".

A guerra não-linear não é algo exclusivo da Rússia. Ela pertence, sob diferente nomes, a todos os governantes e líderes que almejam controlar a narrativa política de um país, colocando-se como detentores da agenda de vitórias e derrotas do governo, bem como "narradores" e testemunhas oculares dos avanços do inimigo (ou oposição) contra seus governos.

Trata-se de uma estratégia de narrativa política em que o governante alerta a sociedade sobre a existência de um conflito sem identificar claramente quem é o “inimigo” (que pode ser uma ideia ou um conceito) ou o que ele quer, e também sem oferecer uma expectativa de duração para essa "guerra".

Nesse momento, o narrador é o próprio governante. É ele que se mantém definindo o status do combate para a coletividade. Estamos vencendo? O inimigo está se fortalecendo? Estão conspirando contra nós? Ex-aliados sempre estiveram contra nós para nos prejudicar?

A ausência de evidências sobre essa "guerra" faz com que parte da sociedade a acompanhe como uma série televisiva, torcendo contra ou a favor, baseando-se credulamente na narrativa dos "fatos" apresentados pelo governante.

A contradição constante gera dissociações e caos nos meios de comunicação, tornando-os não-confiáveis para grande parte da sociedade, já que a interpretação de um embate – que nunca é mensurável – não é feita de forma técnica ou empírica.

O surgimento de fatos positivos, melhoras na economia ou nos indicadores de desemprego, por exemplo, é adaptado ou moldado pelo governante, que transforma os elementos em sinais de que "a guerra está sendo vencida". Erros praticados pelo governo são apresentados como "contra-ataques do inimigo para nos prejudicar".

A vantagem para o narrador principal – o governante – é que ele atribui as vitórias à sua genial estratégia, e suas derrotas, à força e ao poder do inimigo. Assim, não existem erros cometidos por ele, apenas dificuldades em lidar com a resistência encontrada ao liderar um país em um conflito "mais difícil do que imaginávamos".

Qualquer opositor ao governo encontra uma enorme dificuldade em confrontar essa narrativa, pois não consegue atribuir a essa "guerra" nenhum aspecto de realidade.

Os argumentos da oposição se baseiam na "insanidade" ou na subjetividade da narrativa do governante. A resposta do governante para a oposição (nova ou antiga) é que suas lideranças representam “agentes” do oponente subjetivo contra o qual estamos lutando. Portanto, é natural que critiquem o governo, pois o que desejam mesmo é o seu fracasso.

O controle da narrativa dentro dessa estratégia só funciona com apoio popular. A transferência de reflexão de parte da sociedade para o governante faz com que essa parcela dos cidadãos não precise chegar, por conta própria, à conclusão alguma sobre a veracidade ou intensidade da "guerra" em questão.

Ela deixa de funcionar quando fatos inesperados surgem, tornando impossível a percepção popular sobre erros cometidos pelo governo que não poderiam, de forma alguma, ter origem na oposição ou no "inimigo".

Por mais que a negação de um problema inesperado seja a estratégia imediata – até mesmo como autodefesa –, ela não se sustenta caso esse fato inesperado e negativo se torne desproporcional perante outros temas e atinja em cheio os resultados positivos conquistados anteriormente pelo governo.

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