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Numa inundação, o que falta é água
| Foto: Anthony Wallace/AFP

A tragédia, muitas vezes, une as pessoas de formas nem um pouco convencionais. As mídias sociais trazem para perto de você pessoas que, em outras situações, não fariam parte da sua vida. A grande maioria desses indivíduos não possuem afinidades uns com os outros que os fizessem ser amigos na era pré-internet. Via redes sociais, o engajamento entre pessoas tão diferentes demanda gatilhos e linguagens para que os relacionamentos novos se sustentem.

Quando há uma tragédia, como a atual epidemia do coronavírus, a via principal de linguagem é a disseminação do pânico, do exagero na leitura, da descrença ou da ridicularização. Nos EUA, surgiram inúmeros casos de fake news sobre o coronavírus nas últimas semanas, em escolas e cidades que nem estão listadas como tendo pessoas infectadas. No Brasil, há quem diga que o responsável pela chegada do coronavírus foi, nada mais nada menos, do que Bill Gates, fundador da Microsoft.

As piadas também são veículo de interação em cima de tragédias, se transformando em ruídos de informação. Piadas de mau gosto ou gosto duvidoso circulam muito rapidamente e o tema deixa de ser a doença e passa a ser a conduta moral e ética de quem dissemina a piada. Outras vezes, piadas, como a utilizando a marca de cerveja “Corona”, fazem muitas pessoas rir, mas também fazem com que outro tanto (pelo menos nos EUA) acredite que realmente o vírus vem da empresa cervejeira mexicana.

Em momentos de tragédia, muitas gente utiliza as redes sociais para oferecer suas próprias explicações epidemiológicas sobre as causas, mesmo que seus conhecimentos sejam rasos e desimportantes. A destreza em contar um absurdo transvestido em coerência transforma indivíduos -- que não seriam relevantes nesses campos -- em formadores de opinião nas redes sociais.

Já em tragédias onde o mistério não existe, a comoção tende a ser a resposta mais comum. A recente morte do ex-jogador do Los Angeles Lakers Kobe Bryant gerou uma onda de comoção no mundo que fez com que várias pessoas passassem a interagir pelo choque da morte abrupta. Em situações como essas, a oportunidade de problematizar e comparar tipos e importâncias de mortes faz com que debates ocorram. Há aqueles que questionam estranhos nas redes sociais sobre a ausência de emoção em relação às mortes trágicas do dia a dia em cidades brasileiras e outros que se ancoram em teorias de conspiração para preencher lacunas de bom senso, conhecimento lógico e educação.

No fim, a velocidade com a qual temas relevantes vêm e vão faz com que as redes sociais sejam grandes salões onde cada um reage a sua forma sobre qualquer evento global. O que notamos é que, em cima disso, há sempre o rancor e o incômodo se um estranho “próximo” não reage da forma como se gostaria. Os grandes dilemas não são em relação aos temas em si, mas à forma como cada um reage a eles. Não produzimos nas redes sociais grandes reflexões sobre impactos, percepções, expectativas ou temores. O que produzimos são exigências de uniformidade de reações em relação a diversos temas. O que une grupos virtuais é ódio a algo, amor a algo, repúdio a algo e método de reação a algo.

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