Existem coisas que a gente não aprende na escola, e as grandes navegações são uma delas. Citar que Vasco da Gama chegou nas Índias, monopolizou o comércio, e que no processo “achou” lugares novos e escravizou os africanos é o resumo dos 100 anos de esforços para conhecer e dominar os mares; e é disso que a maioria das pessoas se lembra de quando estudaram o período. Ou seja, aprendemos que as “Grandes Navegações” não tinham nada de grande: eram apenas um bando de homens brancos que entraram em “caravelas” – dessa palavra a gente se lembra bem: tem até açúcar com esse nome; olha que incrível – e chegavam nos lugares.
Mas, para chegar nesses lugares, foram necessárias “apenas” algumas coisinhas: recursos financeiros gigantescos, 100 anos de acúmulo de conhecimento, estudos, criação de novas tecnologias, mapeamento, e muito sacrifício humano. E uma pessoa liderou esta “escola de navegação portuguesa” para isso acontecer: o infante D. Henrique, o Navegador. A partir de 1415, o Navegador e seus irmãos portugueses resolveram fazer o impossível: navegar o Oceano Atlântico para o sul. E como isso era impossível, aliás, dois venezianos na metade do século XV tentaram... e desapareceram. É porque tinha um obstáculo impossível de se superar naquela época. O cabo Bojador. O problema é que esse cabo ainda era o início da África. Ou seja, o maior obstáculo já ficava no início da África.
Os portugueses também tentaram... E não conseguiram. Mas ao contrário dos venezianos, eles não desistiram. Talvez porque os venezianos já tivessem o mar Mediterrâneo nas mãos, então, pra quê se arriscar em algo que poderia não dar em nada? Mas os portugueses não tinham nada! Por isso o Oceano Atlântico era tudo para eles. Portanto, quando eles começaram, eles não pararam mais.
Com Gil Eanes e seus bravos navegadores, os portugueses conseguiram o impossível
Nessas tentativas e erros eles perceberam que as galés, os navios mais usados desde a Grécia antiga e que continuavam circulando no mediterrâneo, só serviam para o mediterrâneo. Portanto, eles precisavam de um novo tipo de navio; o primeiro navio verdadeiramente oceânico: as caravelas. Eles adaptaram as velas latinas usadas pelos venezianos em um tipo de navio revolucionário: mais alto e mais largo, e menor de cumprimento. Mas chegara a hora de colocar aquele navio a prova.
O líder desse esquadrão suicida foi Gil Eanes, o melhor navegador português da época. Com seus navios e a experiência acumulada de 20 anos, ele se aproxima do Cabo Bojador. Mas ele sabia que não dava pra seguir em frente, mesmo com sua nova “máquina”: o cabo era muito agitado, ventos e correntes contrárias, além de um mar bem raso cheio de bancos de areia e pedras. Portanto, ele faz o inimaginável: navega a Oeste, em direção a imensidão do Oceano Atlântico. Em uma altura em que julgava segura, ele resolve direcionar as velas para leste... Quando ele e seus navegadores viram terra novamente, não era mais o Cabo Bojador... Ele já tinha ficado para trás. Como mostra o professor Roger Crowley na sua obra Conquistadores (Crítica, 2016), com Gil Eanes e seus bravos navegadores, os portugueses conseguiram o impossível.
Mas não era mais possível continuar: a incrível invenção portuguesa que entrara para a história já não era mais capaz de enfrentar os terrores do indomável atlântico sozinha. A caravela precisava ser atualizada. Isso parecia uma mera fantasia; tão difícil quanto imaginar um simples carro virar um transformer. Mas os navegadores portugueses não desistiriam: suas navegações eram muito mais “divinas” do que uma simples busca por especiarias do outro lado do mundo. Aliás, a “providência divina” parecia querer isso mesmo: já tinham feito o impossível uma vez. Se eles conseguiram “vencer” o invencível Cabo Bojador, o que mais seria capaz de ficar no caminho deles?
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