Para muitas pessoas é comum associar a expressão “violência” a “europeu”. É algo tão simples quanto procurar o verbete no dicionário e encontrar o significado de europeu: 1. Assassino. 2. Violento. 3. Genocida. Se cada um pudesse adjetivar povos e culturas de acordo com seus próprios vieses e ideologias, imagine o que encontraríamos nos verbetes astecas, mongóis ou tupinambás?
Mas não vamos fugir do tema: vamos falar dos europeus aqui, especificamente europeus que têm muito a ver com este país chamado Brasil, e causam sentimentos tão diversos no povo: os portugueses. No caso deles é quase um consenso que, a depender do professor e do livro didático usado em sala de aula (e isso representará facilmente a maioria das salas de aula do país), eles com certeza se enquadrarão nos adjetivos descritos acima. Aliás, uma mãe que me segue no Instagram me enviou uma foto de um livro didático de sua filha em que, no subtítulo “Os colonizadores”, os portugueses eram tratados como “eles” e os indígenas como “nós”, por mais estranho que isso possa parecer – aliás, isso merece uma coluna exclusiva, que com certeza teremos por aqui em breve.
De qualquer forma, esse antagonismo entre povos, no qual um é o vilão e vários outros são os oprimidos, não é tão simples quanto muitos doutrinadores com diploma nas salas de aula fazem parecer. Se olharmos para o cenário geopolítico mundial antes mesmo de o Brasil ser “alvo” de Portugal, verificamos que outros povos oprimidos atiraram antes do opressor. E, por incrível que pareça, tudo começou com um velho conhecido nosso: Pedro Álvares Cabral.
Logo depois de ele ter partido do Brasil após seu descobrimento lendário, ele foi enviado em direção às Índias como sucessor direto de ninguém menos que Vasco da Gama. E as ordens do rei de Portugal, Manuel I, foram claras assim como haviam sido para o Gama: “Nada de treta!” Chegando a Calicute, o famoso porto indiano das especiarias, Cabral foi recebido pelo governador, chamado de “Samorim”. Como ele estava em um mundo novo, resolveu seguir as orientações de seu rei e a experiência de Vasco da Gama: “vamos negociar?”
Mas as coisas não saíram como Cabral esperava: de acordo com o historiador inglês Roger Crowley em sua excelente e empolgante obra Conquistadores – Como Portugal Forjou o Primeiro Império Global, ele nos diz que Cabral e seus navegadores tiveram de esperar três meses para terem seu carregamento de especiarias liberado; e três meses para navegadores que já passaram um ano navegando e passariam mais um voltando era demais! O samorim não queria negociar com os europeus – mas também não disse que não queria. Ficou enrolando os portugueses de todos as formas possíveis. Depois de muito insistir, e já adoentado, Cabral finalmente recebeu a liberação do governador, dizendo que ele poderia pegar toda a especiaria que estava em uma embarcação muçulmana atracada no porto.
Imagine, então, a ansiedade e alegria de Cabral e sua tripulação de centenas de homens, que poderiam, finalmente, depois de um ano de navegação, retornar à casa enchendo o seu bolso e o do Rei ao mesmo tempo. Ingenuamente, eles “limpam” o navio designado sem desconfiar da trama do samorim: ele espalhara a notícia de que os tugas estavam saqueando o navio muçulmano. E os muçulmanos respondem: armados com mosquetes e espadas, eles cercam dezenas de navegadores portugueses em um armazém no porto e começam a abrir fogo contra os europeus. Muitos portugueses morrem no ataque, incluindo nosso primeiro e respeitável cronista, Pero Vaz de Caminha.
Uma trama maldosa de um governante levou a desgraça à sua própria cidade: eles atiraram primeiro, os portugueses atiraram depois
Cabral assiste àquele ataque de sua nau, em choque! Ele não podia acreditar! Então, ele ordena que os portugueses disparem seus canhões para o alto, esperando dispersar a multidão. Tudo em vão! Então, ele reposiciona seus canhões, e na mira não está mais o céu, está Calicute. Uma chuva de fogo brutal cai sobre o porto destruindo praticamente tudo no caminho: construções, barracas, navios, pessoas... Dezenas de pessoas voam pelos ares! Calicute vem abaixo depois daquele ataque feroz de Cabral. Aliás, apenas alguns portugueses sobrevivem ao ataque muçulmano. Poucos dias depois, Cabral retorna a Portugal com a riqueza da Índia nos seus porões e amargando as mortes sofridas com um sentimento sombrio quanto ao futuro das especiarias.
Agora, o Oceano Índico não seria mais um lugar de paz, mas um lugar de guerra: uma trama maldosa de um governante levou a desgraça à sua própria cidade: eles atiraram primeiro, os portugueses atiraram depois. Agora era guerra declarada: indianos e muçulmanos sabiam ter despertado um monstro que não podiam controlar; eles sabiam que tinham de se preparar porque o comércio das especiarias seria de Portugal... Por bem ou por mal.
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