Decapitações sendo feitas por organizações terroristas muçulmanas já não são novidade para ninguém. Suas campanhas jihadistas são exibidas com orgulho por eles próprios: a religião islâmica e os precedentes históricos da querra santa contra o infiel ainda são o discurso usado por esses terroristas para legitimar a repetição de tais barbáries em pleno século XXI. Uma das mais famosas dessas decapitações talvez tenha acontecido em 2004, quando Abu Musab al-Zarqawi decapita o americano Nicholas Evan Berg e exibe a ação na internet para o mundo ver.
Segundo o historiador e especialista no radicalismo islâmico Gilles Kepel no artigo “Escenificación de la muerte” (Encenação da morte), essa prática de decapitação pública é uma espécie de"show-business" que visa a inspirar uma fascinação mórbida especialmente em pessoas mais jovens. E Zarqawi deixou claro a ligação religiosa mencionando o “profeta” como justificativa e precedente para aquelas decapitações.
Um artigo nos ajuda a entender esse aspecto histórico complexo: “Decapitation of Christians and Muslims in the Medieval Iberian Peninsula: narratives, images, contemporary perceptions” (Decapitação de cristãos e muçulmanos na Península Ibérica medieval: narrativas, imagens e percepções contemporâneas). Aqui vemos a evocação histórica e religiosa daquele assassino: “O profeta ordenou a decapitação de alguns prisioneiros de Badr que tinham suas mãos amarradas. Ele é nosso exemplo e padrão a seguir.” Era de se esperar que organizações islâmicas se manifestassem contra a ação desse terrorista, como de fato ocorreu. Mas a autora nos lembra que “de fato este precedente histórico (usado pelo terrorista) foi registrado por cronistas muçulmanos medievais como al-Waqid em seu Maghazi e al-Baladhuri em seu Ansab al-ashraf.
Depois da matança em Toledo, o número de cabeças que foram levadas ao comandante muçulmano era tão grande que ele mesmo não resistiu a visão e teria morrido alguns dias depois de “horror”
Mas alguns muçulmanos tinham “princípios” relativos à decapitação, como menciona Qadi al-Fadil, o secretário de Saladino: “matar um prisioneiro com as mãos amarradas é um grande erro.” Mesmo assim, não creio que os prisioneiros decapitados ficassem mais confortáveis em perder a sua cabeça com as mãos soltas.
Com certeza, evocar o passado para justificar ações violentas hoje é algo que já aconteceu em todas as culturas e credos. Ora, é sabido que historicamente romanos, visigodos e cristãos também usaram o artifício de cortar a cabeça dos inimigos para passar sua mensagem, e algumas crônicas atestam isso com clareza. Mas, proporcionalmente, tanto crônicas cristãs quanto muçulmanas atestam a natureza, nas palavras do próprio artigo, “indiscriminada” com a qual as decapitações ocorriam sob domínio do Califado Omíada na Península Ibérica, mostrando que a prática muçulmana tinha uma razão ainda mais forte: “Algumas fontes cristãs associam a decapitação com um aspecto da prática e cultura militar... Fontes andalusi abundam de descrições, sejam de decapitações de não-muçulmanos por muçulmanos, de muçulmanos por muçulmanos ou, em uma escala muito menor, a decapitação de muçulmanos por não-muçulmanos” (itálicos meus). Portanto, diferentemente dos europeus, as decapitações feitas pelos muçulmanos eram indiscriminadas e assumiam um caráter cultural de facto.
E a partir da página 147 o artigo continua a apontar a “matança que se seguiu à conquista” da Península Ibérica pela invasão dos sarracenos. Neste ponto, podemos ver uma série de decapitações em massa ocorrendo ao longo de vários séculos de dominação islâmica, em especial nos governos dos califas omíadas al-Hakam I, al-Rahman II e al-Rahman III. Um desses “shows” de cabeças cortadas é especialmente chocante, e foi ele próprio relatado por um famoso cronista muçulmano chamado Ibn Hayyan na sua crônica Muqtabis II: a cidade de Toledo está cercada por tropas muçulmanas lideradas pelo comandante Massara Ayyub. As tropas muçulmanas conseguem alcançar milhares de cidadãos toledanos que fugiam e um massacre acontece: depois da matança, o número de cabeças que foram levadas ao comandante era tão grande que ele mesmo não resistiu a visão e teria morrido alguns dias depois de “horror”. Não à toa, o artigo menciona que os Omíadas eram grandes “caçadores de cabeças”.
Portanto, a história do domínio muçulmano na Península Ibérica foi marcada pela extrema violência; e como vimos, precedentes históricos não vão faltar se esses terroristas islâmicos quiserem continuar fazendo cabeças rolar em nome de Alá.
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