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Bento XVI na última audiência do seu pontificado, em 28 de fevereiro: papa emérito escreveu longa resposta ao livro do matemático Piergiorgio Odifreddi. (Foto: Alessandro Bianchi/Reuters)
Bento XVI na última audiência do seu pontificado, em 28 de fevereiro: papa emérito escreveu longa resposta ao livro do matemático Piergiorgio Odifreddi. (Foto: Alessandro Bianchi/Reuters)| Foto:
Bento XVI na última audiência do seu pontificado, em 28 de fevereiro: papa emérito escreveu longa resposta ao livro do matemático Piergiorgio Odifreddi. (Foto: Alessandro Bianchi/Reuters)

Bento XVI na última audiência do seu pontificado, em 27 de fevereiro: papa emérito escreveu longa resposta ao livro do matemático Piergiorgio Odifreddi. (Foto: Alessandro Bianchi/Reuters)

Já estão circulando por aí trechos da carta que o papa emérito Bento XVI enviou ao matemático ateu Piergiorgio Odifreddi, em resposta a seu livro Caro papa, ti scrivo (que, por sua vez, a julgar pelo texto do próprio Odifreddi em seu blog, parece ser uma resposta a Introdução ao Cristianismo, escrito por Ratzinger bem antes de se tornar papa). As agências de notícias e sites estão dando mais destaque às afirmações do pontífice emérito sobre o combate à pedofilia, mas os trechos da carta que foram divulgados (a íntegra tem 11 páginas; apenas uma parte foi publicada pelo jornal La Repubblica) contêm um debate muito mais profundo sobre a fé e a razão. Por isso, eu mesmo traduzo aqui alguns dos trechos que considero relevantes para nosso tema aqui no blog (meu italiano está meio enferrujado, então agradeço eventuais correções. E agradeço especialmente se alguém puder trazer a exata citação de Monod publicada em português, já que não tenho acesso ao livro citado por Bento XVI):

Muitas vezes o senhor deixa claro que a Teologia seria ficção científica. A esse respeito, surpreende-me que o senhor, mesmo assim, considere meu livro digno de uma discussão tão detalhada. Permita-me levantar quatro pontos, em relação a tal questão:

1. É correto afirmar que “ciência”, no sentido mais estrito da palavra, é apenas a Matemática, embora tenha aprendido com o senhor que ainda assim é preciso distinguir entre Aritmética e Geometria. Em todas as matérias específicas, a cientificidade tem sua própria forma, de acordo com a particularidade de seu objeto. O essencial é que aplique um método verificável, deixe de fora o arbítrio e garanta a racionalidade em suas respectivas modalidades diversas.

2. O senhor deveria pelo menos reconhecer que, no âmbito histórico e no do pensamento filosófico, a Teologia produziu resultados duradouros.

3. Uma função importante da Teologia é a de manter a religião ligada à razão, e a razão ligada à religião. Ambas as funções são de importância fundamental para a humanidade. Em meu diálogo com Habermas, mostrei que há patologias da religião e, não menos perigosas, patologias da razão. Mas ambas [religião e razão] precisam uma da outra, e tê-las permanentemente em contato é uma tarefa importante da Teologia.

4. A ficção científica existe também no âmbito de muitas ciências. O que o senhor escreve sobre as teorias do início e do fim do mundo em Heisenberg, Schödinger etc., eu chamaria de ficção científica num bom sentido: são visões e antecipações para se chegar a um conhecimento verdadeiro, mas não deixam de ser exercícios de imaginação com os quais procuramos nos aproximar da realidade. De resto, há uma ficção científica em grande estilo até dentro da teoria da evolução. O “gene egoísta” de Richard Dawkins é um exemplo clássico de ficção científica. O grande Jacques Monod escreveu algumas frases que ele mesmo terá inserido em sua obra certamente como mera ficção científica. Cito: “O surgimento de vertebrados tetrápodes (…) tem sua origem no fato de que um peixe primitivo ‘escolheu’ caminhar e explorar a terra, sobre a qual era, no entanto, incapaz de se mover a não ser saltitando desajeitadamente e criando, assim, como resultado de uma mudança de comportamento, a pressão seletiva graças à qual se desenvolveriam os membros robustos dos tetrápodes. Entre os descendentes desse explorador ousado, deste Magalhães da evolução, há uns que podem correr a velocidades superiores a 70 km/h” (Acaso e necessidade).

(…)

O que o senhor diz sobre a figura de Jesus não é digno de seu nível científico. Se o senhor levanta questões como se, no fundo, não se soubesse nada sobre Jesus e como se a respeito dEle, como figura histórica, nada fosse confiável, só posso convidá-lo a aprofundar-se um pouco sob um ponto de vista histórico. Para isso, recomendo especialmente os quatro volumes que Martin Hengel (exegeta da faculdade teológica protestante de Tübingen) publicou com Maria Schwemer: são um ótimo exemplo de precisão e de amplíssima informação históricas.

(…)

Com o 19.º capítulo de seu livro voltamos aos aspectos positivos do seu diálogo com meu pensamento (…) Mesmo que sua interpretação de Jo 1,1 [“No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus”] esteja muito longe do que o evangelista queria dizer, existe, no entanto, uma convergência importante. Mas, se o senhor quer substituir Deus com “a Natureza”, fica uma questão: quem, ou o que é essa Natureza. O senhor não a define em nenhum ponto; ela aparece, então, como uma divindade irracional que não explica nada. Queria, então, acima de tudo deixar claro que na sua religião da Matemática ficam de fora três temas fundamentais da existência humana: a liberdade, o amor e o mal. Eu me surpreendo com o fato de o senhor, em uma única tacada, destruir a liberdade, que foi e é um valor fundamental da época moderna. O amor, em seu livro, não aparece; e mesmo sobre o mal não há nenhuma informação. Independentemente do que as neurociências digam ou deixem de dizer sobre a liberdade, no drama real de nossa história ela está presente como realidade determinante, e deve ser levada em consideração. Mas a sua religião matemática não conhece informação alguma sobre o mal. Uma religião que despreze essas perguntas fundamentais se esvazia.

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Prêmio Top Blog, votação em curso!

selotopblog_300x250Começou no dia 9 a primeira rodada de votação da edição 2013 do prêmio Top Blog. Em 2010 e 2011, o Tubo venceu a categoria “Religião/blogs profissionais” pelo voto popular. Em 2012, não ficamos entre os finalistas, mas o Blog Animal, também da Gazeta, venceu sua categoria pelo júri acadêmico. Para votar no Tubo, basta você clicar aqui ou no banner ao lado. Cada conta de e-mail só pode votar uma vez no mesmo blog, mas nada impede que, com uma mesma conta de e-mail, você possa votar em vários blogs de sua preferência. Da mesma forma, você pode votar no Tubo mais de uma vez se tiver duas ou mais contas de e-mail. Basta preencher, no alto da página do prêmio, seu nome e e-mail. Você receberá uma mensagem com um link para confirmar seu voto. Também é possível votar pelo Facebook. Neste ano, teremos outros blogs da Gazeta do Povo concorrendo também; à medida que eles forem se inscrevendo, vocês saberão como votar em todos eles.

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