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Iluminura dos "Evangelhos de Rabbula", do século 6.º. Se você acha que furar um corpo com uma lança pode ser comparado a espremer uma esponja num manequim de plástico, você precisa rever seus conceitos. (Imagem: Reprodução)
Iluminura dos "Evangelhos de Rabbula", do século 6.º. Se você acha que furar um corpo com uma lança pode ser comparado a espremer uma esponja num manequim de plástico, você precisa rever seus conceitos. (Imagem: Reprodução)| Foto:

O estudo de Matteo Borrini e Luigi Garlaschelli de que falei ontem aqui no blog recebeu cobertura considerável da imprensa, mas os mesmos veículos parecem ter ignorado as contestações técnicas que foram oferecidas quase que imediatamente após a publicação do estudo no Journal of Forensic Sciences; em geral, os que publicam um contraponto preferem a resposta mais “apaixonada” de Emanuela Marinelli, que também aponta inconsistências técnicas, mas acrescenta sua visão sobre a ideologia que há por trás de tais estudos.

Recebi, por meio do Enrico Simonato, secretário do Centro Internacional de Sindonologia, em Turim, um artigo escrito por um médico e antropólogo forense, membro da mesma entidade. Alfonso Sánchez Hermosilla, chefe da seção de Clínica Forense do Instituto de Medicina Legal e Ciências Forenses de Murcia, na Espanha, destaca várias inconsistências do estudo de Borrini e Garlaschelli. O Tubo de Ensaio publica com exclusividade o texto em português (tradução minha).

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Experiência não reproduz de forma alguma as características do Homem do Sudário

Alfonso Sánchez Hermosilla, médico forense e antropólogo forense

O artigo “A BPA approach to the Shroud of Turin” tem vários erros formais e conceituais que lhe retiram credibilidade científica. Em primeiro lugar, nenhum de seus autores é médico forense/legista, faltando-lhes, assim, a experiência e os conhecimentos necessários para realizar com sucesso qualquer tipo de pesquisa com manchas de sangue humano.

As “experiências” foram feitas com um ser humano vivo, saudável e sem nenhum tipo de lesão traumática, e com um manequim que lembra vagamente um torso humano, e não com um ser humano vivo que tenha sofrido as mesmas lesões e com a mesma sequência de eventos do Homem do Sudário; nem com um cadáver que cumprisse os mesmos requisitos. Portanto, o experimento não reproduz, nem mesmo de forma aproximada, as circunstâncias em que as manchas de sangue foram produzidas.

Além disso, o voluntário no qual se fez a “experiência” não tinha pelos na pele do antebraço – ao menos, é o que se percebe nas fotografias que acompanham o artigo –, enquanto o Homem do Sudário podia tê-los ou não. Não temos dados científicos sobre isso. Mas, se os tivesse, esses pelos representariam obstáculos à passagem de qualquer fluido, modificando sua trajetória. Não se levou isso em conta.

A “experiência” foi realizada com sangue humano proveniente de um doador, anticoagulado e resfriado para conservação, e flui pela agulha de uma cânula, enquanto o “voluntário” está imóvel, e não com sangue vivo fluindo de uma ferida aberta e com batimentos cardíacos que o impulsionem, nem com uma pessoa que se move e se debate com uma respiração agônica e agitada, como se presume que ocorreu com o Homem do Sudário.

As qualidades físicas do sangue anticoagulado são bem diferentes daquelas do sangue vivo sem anticoagulantes, principalmente em relação à sua viscosidade e tensão superficial. Ou seja: seu comportamento, como fluidos que são, é muito diferente em cada caso. E as características físicas do sangue anticoagulado também são muito diversas das do sangue cadavérico, que por sua vez difere do sangue vivo.

Além disso, o sangue do Homem do Sudário é um sangue patológico. Estava muito diluído como resultado das hemorragias sofridas e tem pH ácido, consequência da asfixia. Também por isso o seu comportamento difere do sangue vivo e, se me permitem a expressão, saudável.

Como se isso não bastasse, pela ferida do lado não jorrou apenas sangue cadavérico, mas também coágulos de sangue post mortem, líquido pleural, líquido pericárdico (ambos resultantes da flagelação) e líquido de edema pulmonar, devido à asfixia. É improvável que todos esses fluidos saíssem misturados de forma homogênea. O mais provável é que o tenham feito de forma heterogênea. Nada disso foi reproduzido na “experiência”.

O público em geral, bem como muitos “especialistas”, acreditam que cadáveres humanos não sangram. Isso é falso. Quando há ferimentos profundos, os cadáveres têm hemorragias post mortem, especialmente se são mexidos, e o corpo do Homem do Sudário foi deslocado e manipulado; portanto, sangrou abundantemente pelas feridas e orifícios naturais. Esse sangue era sangue cadavérico, não era sangue vivo nem anticoagulado quimicamente.

O “cinturão de sangue” não foi produzido com o fluxo do sangue entre o cadáver e o pano do Sudário, e sim quando se colocou o corpo sobre o pano: aquele sangrou e verteu um trilho de sangue que reproduz perfeitamente a trajetória relativa entre o cadáver e o material têxtil que absorveu esse sangue. Também essa circunstância não foi levada em consideração.

Conclusões

A “experiência” não reproduz nem de longe as condições em que as manchas de sangue do Sudário de Turim foram produzidas. Nessas circunstâncias, as conclusões do artigo carecem totalmente de valor científico.

Os autores, dada sua inexperiência e sua falta de conhecimentos mínimos necessários, cometeram erros graves no planejamento e na interpretação dos resultados de sua “experiência”.

O artigo não deveria ter sido publicado em uma revista científica especializada. Imagina-se que os responsáveis por avaliar a idoneidade do artigo, esses, sim, deviam ter os conhecimentos e a experiência necessários. Neste caso, ou não os têm, ou os deixaram de lado por motivos que ignoramos.

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Simonato também me envia um outro texto, desta vez de Luigi Fabrizio Rodella, da divisão de Anatomia e Fisiopatologia do Departamento de Ciências Experimentais e Clínicas da Universidade de Brescia, na Itália. Segue a tradução para o português do texto de Rodella:

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Em recente artigo publicado no Journal of Forensic Sciences, os autores descreveram experiências usando um homem vivo (um dos autores) e um modelo de um corpo (um manequim) para simular, respectivamente, o sangramento causado pelos cravos nas mãos e pela ferida no lado do Homem do Sudário. Os dados experimentais são extremamente pobres e contêm vários erros.

Questões críticas sobre o modelo humano

Questões críticas sobre o modelo do torso (manequim)

Questões críticas sobre o sangue

Concordo completamente com a afirmação de Alfonso [Sánchez] sobre o sangramento em cadáveres. O sangue poderia fluir de um corpo morto especialmente no imediato post mortem, ou durante o translado do corpo, o que ocorreu com o Homem do Sudário.

Por tudo isso, em minha opinião, o artigo é muito superficial e as conclusões dos autores carecem de base científica. Em particular, o uso do BPA não é um método imune a resultados incorretos, e também por esse motivo é necessário que ele seja empregado por um especialista com larga e consolidada experiência nesse campo específico.

Pequeno merchan

Além de editor e blogueiro na Gazeta do Povo, também sou colunista de ciência e fé na revista católica O Mensageiro de Santo Antônio desde 2010. A editora vinculada à revista lançou o livro Bíblia e Natureza: os dois livros de Deus – reflexões sobre ciência e fé, uma compilação que reúne boa parte das colunas escritas por mim e por meus colegas Alexandre Zabot, Daniel Marques e Luan Galani ao longo de seis anos, tratando de temas como evolução, história, bioética, física e astronomia. O livro está disponível na loja on-line do Mensageiro.

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