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O cientificismo, quem diria, não é nada científico
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De vez em quando alguns comentaristas recém-chegados ao blog reclamam que este espaço “não é imparcial”. De fato, não é, mas qualquer leitura abrangente dos posts mostra que o blog nunca “posou de imparcial”, sempre tendo deixado bem claras suas preferências. O Tubo, nesse sentido, é tão “imparcial” quanto os sites do Richard Dawkins, do Jerry Coyne ou do PZ Myers, embora, a julgar pelos comentários, me parece que aqueles que denunciam a “parcialidade” do Tubo não veem nenhum problema com os outros três sites citados acima. Então, não custa nada repetir: defendo que ciência e religião são compatíveis, e critico as correntes de pensamento contrárias (é a principal “linha editorial” do blog); para dar um exemplo de assunto específico, aceito firmemente a evolução como a melhor explicação existente para a diversidade de formas de vida na Terra, discordando do criacionismo e do Design Inteligente. Outro exemplo daquilo que este blog critica é o cientificismo (ou “cientismo”).

Quando eu estava no primeiro ano da faculdade de Jornalismo, tivemos uma disciplina chamada “Teoria da Modernidade”, em que um professor tentava nos convencer de que a verdade objetiva não existe; a legitimação desta ou daquela ideia se dava não por sua adequação à realidade, como diria o velho Aristóteles, mas simplesmente por meio da persuasão. A parte curiosa da coisa (que, aos 18 anos e recém-saídos do cursinho, éramos ainda ingênuos demais para captar) é que o professor ensinava a inexistência da verdade absoluta como… verdade absoluta. Com o cientificismo acontece algo parecido, como explica Thomas Burnett em um artigo no site da Fundação BioLogos.

Antônio Costa/Gazeta do Povo
Para um cientificista, conhecimento de verdade só pode ser produzido em laboratório e alguns pouquíssimos outros lugares.

Para quem não é familiar com o termo, os cientificistas defendem que a ciência (no caso, as ciências naturais) é a única fonte válida de conhecimento; outras áreas, como as ciências humanas (incluindo a Filosofia), a arte, a religião (é aí que nós entramos), são, na melhor das hipóteses, inferiores; na pior, totalmente irrelevantes ou descartáveis. Burnett faz uma recuperação histórica mostrando como passamos de um extremo a outro: antes, as ciências se baseavam no argumento de autoridade; a revolução científica do século 17 derrubou o modo de pensar antigo, e o fortalecimento das ciências naturais levou alguns pensadores (dos quais os pioneiros foram Bacon e Descartes) a lançar as bases daquilo que se tornaria o cientificismo, não sem antes passar pelo Iluminismo e pelo Positivismo.

Obviamente não se deve confundir ciência com cientificismo, mas o público geral parece não estar atento à diferença entre uma coisa e outra. Por isso, no fim das contas os cientificistas fazem mal à ciência; ao defender que só as ciências naturais têm valor, associando a atividade científica com o naturalismo, o risco de provocar na sociedade uma rejeição à ciência é maior. Burnett cita Ian Hutchinson, do MIT, para quem a população que aparentemente rejeita a ciência estaria, na verdade, rejeitando o cientificismo; mas, como no discurso dos cientificistas as coisas estão interligadas (como, por exemplo, na insistente associação entre evolução e ateísmo), fica difícil separar uma coisa da outra.

Tetraktys/Wikimedia Commons
Templo Positivista em Porto Alegre: o cientificismo convertido naquilo que rejeita.

E é justamente ao fazer essa diferenciação que fica evidente a contradição apontada no título do post. A ciência é a atividade de explorar o mundo natural em busca das respostas sobre seu funcionamento. O cientificismo é uma visão de mundo. Como lembra Burnett, é um “ismo”, uma ideologia que, em alguns casos, vira até religião (o artigo cita os “Templos à Razão” da Revolução Francesa, mas poderia também ter incluído a Igreja Positivista). E, se ideologias não têm comprovação ou verificação empírica, o cientificismo, se realmente levado a sério, precisaria descartar a si próprio.

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