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Benedito Aguiar Neto, ex-reitor da Universidade Mackenzie e novo presidente da Capes.
Benedito Aguiar Neto, ex-reitor da Universidade Mackenzie e novo presidente da Capes.| Foto: Divulgação/Mackenzie

O ex-reitor da Universidade Mackenzie, Benedito Guimarães Aguiar Neto, foi nomeado presidente da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), responsável por gerenciar a pós-graduação no Brasil. E imediatamente começou o estardalhaço, com uma série de distorções. A Folha de S.Paulo, por exemplo, tascou no título da reportagem que Aguiar “defende criacionismo”. Na verdade, o que o novo presidente da Capes defende é o Design Inteligente, que tem uma série de diferenças substanciais em relação ao criacionismo – por exemplo, ele não reivindica a base escriturística que os criacionistas empregam, embora muitos dos defensores do DI associem o “designer” ao Deus judaico-cristão.

Assim, por mais que eu considere o DI má ciência (por pressupor uma intervenção externa nada verificável) e má teologia (por pressupor uma criação malfeita que precise de intervenções frequentes para continuar “rodando”), é diferente do criacionismo, e por isso acho que o título do jornal paulista passou do ponto. “Ah, mas se colocar Design Inteligente no título ninguém entende”, alguém poderá argumentar. Então, que se escreva “antievolucionista” e a descrição fica exata. A não ser que a intenção tenha mesmo sido a de fazer a coisa parecer pior do que já é, para prejudicar o governo, como naquela reportagem do Estadão que enfiou a Terra plana, do nada, em um texto sobre o novo diretor da Biblioteca Nacional.

Pode haver pressão para que os cursos de pós em Biologia incorporem o Design Inteligente? A Capes vai direcionar bolsas de estudo para pesquisas sobre o assunto?

Questionado pela jornalista Cristina Graeml sobre as suas convicções, Aguiar respondeu apenas com uma defesa da “pluralidade de pensamento na universidade” e falou de “abrir a discussão para participação daqueles que pensam diferente quanto à origem da vida”. Um equívoco básico, já que a Teoria da Evolução não afirma absolutamente nada sobre a origem da vida, limitando-se a explicar como é que, a partir dos primeiros seres unicelulares, desenvolveu-se a variedade da vida na Terra. Mas, mesmo que tenha sido apenas um lapso do ex-reitor, “pluralidade” não é sinônimo de “liberou geral”. Assim como no caso do ensino religioso no ensino básico, DI e criacionismo podem até ter lugar numa pós em Teologia, por exemplo. Mas numa pós em Biologia? Nem pensar!

No fim das contas, então, o que isso significa? Pode haver pressão para que os cursos de pós em Biologia incorporem o DI? A Capes vai direcionar bolsas de estudo para pesquisas sobre o assunto? O astrofísico Alexandre Zabot, da Universidade Federal de Santa Catarina, considera “uma vergonha nacional que um defensor do DI seja colocado num posto tão importante para a pós-graduação brasileira”, mas não acredita que os questionamentos à evolução ganhem espaço na universidade por influência de Aguiar. “É bem difícil ele fazer alguma coisa diretamente a favor do DI ou contra a Teoria da Evolução. A Capes se baseia quase totalmente em pareceres de consultores ad hoc”, explica. O professor Ricardo da Costa, assessor especial da presidência da Capes, acrescenta que o órgão não tem influência sobre conteúdos de programas de pós-graduação; “no máximo, poderia estimular nos seus editais linhas de pesquisa já existentes e reconhecidas”, explica. Para Zabot, a possibilidade de estrago seria maior se Aguiar ocupasse outros cargos dentro da estrutura do MEC, em vez do comando da Capes.

César Dartora, professor do Departamento de Engenharia Elétrica da Universidade Federal do Paraná, foi coordenador do Programa de Pós-Graduação em Engenharia e Ciência dos Materiais da universidade entre 2017 a 2019 e conhece bem o funcionamento da Capes. Ele também não vê esse tipo de risco na nomeação de Aguiar, tanto pela estrutura do órgão quanto pela repercussão negativa que haveria caso a Capes começasse a promover o Design Inteligente. “Creio que o presidente não tem esse poder todo para distribuir como ele quiser, pois as áreas da Capes têm coordenadorias próprias. Acho que ele até poderia mudar esses coordenadores, mas pegaria mal ele colocar muita grana em um tema de particular interesse dele”, afirma. “Mesmo que Aguiar conseguisse aparelhar alguma comissão com pessoas do DI, a pressão contrária seria gigantesca”, concorda Zabot. Ricardo da Costa descarta até mesmo essa possibilidade: “Ele tem doutorado em Engenharia Elétrica, na Alemanha. Não creio que vá interferir nisso com sua crença”. Em resumo, nada de pânico, mas não custa nada manter aquela vigilância saudável.

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